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"À beira do abismo, estamos prestes a voar, como cantei em minha música", diz a artista, que havia perdido a voz por depressão
Marina Lima prestes a voar
Após seis anos de crise que forçou "ida ao deserto", ela lança turnê na quinta; show chega a SP em setembro
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Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
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Marina Lima, que se ausentou por depressão, volta aos palcos após seis anos, na quinta, em MG |
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Sim, ela canta. Marina Lima, 44,
encerra nesta quinta um período
de seis anos sem cantar em público -três dos quais em profunda
depressão, que chegou a levar, na
ponta do iceberg, sua voz.
A crise trouxe toda sorte de boatos sobre sua saúde -inclusive de
que operara as cordas vocais e
não voltaria a cantar. Em 1998, ao
lançar o CD "Pierrot do Brasil"
-cantando-, falou sobre a depressão e afirmou que não tinha
nenhum problema físico na voz.
Muitos não acreditaram, mas,
sim, ela canta. Estréia nesta semana, em Juiz de Fora (MG), o show
"Síssi na Sua", iniciando giro nacional que já tem datas confirmadas em Belo Horizonte, Curitiba,
Florianópolis, Porto Alegre, Goiânia, Brasília e Rio de Janeiro. Em
14 de setembro, inicia temporada
de três semanas em São Paulo.
"Síssi na Sua" é fundado principalmente em canções de "Registros à Meia Voz" (96) e "Pierrot
do Brasil" (98), mais alguma memorabilia ("Fullgás", "Pra Começar"...) e três inéditas, duas delas
compostas com a escritora Fernanda Young (leia letra ao lado).
Marina explica o título do show:
"Queríamos um nome que sugerisse logo de cara que estou bem.
A expressão que mais uso é "tô síssi", que em São Paulo tem tom pejorativo -fulano está "síssi", "se
sentindo'-, mas no Rio, não,
quer dizer "tô bem'".
A direção do show é do encenador teatral Enrique Diaz. "Marina
vê muito teatro, ela é das poucas...
Não sei exatamente qual é o ponto
de trabalhar com ela, mas há alguma coisa abstrata, de criar uma atmosfera mais específica ligada ao
fato de estar voltando. Ela está pilhada, animada, sem nenhuma
cobrança de ego", justifica Diaz.
A Folha acompanhou, na semana passada, parte do ensaio num
estúdio no Cosme Velho, no Rio,
em que Marina se exibia bem-humorada e testava a recuperação
de sua voz. Sim, ela está cantando.
Leia trechos da entrevista que a
cantora e compositora carioca
concedeu antes do ensaio, falando
da crise, de certa indisposição
com a mídia, do show...
Folha - Como você se sente voltando aos palcos?
Marina Lima - Maravilhosa. Não
faço show desde "O Chamado"
(93), muita coisa aconteceu. É
bom dar um tempo. Estou acreditando muito no que vou fazer.
Folha - Insegura?
Marina - Insegura? Não, estou
muito excitada, até porque o que
vou fazer não é uma cópia do que
eu fazia ou era. Há uma frase de
Nietzsche que explica muito eu
ter parado de cantar; diz que a arte tem de estar à altura da sua vida. A arte não pode estar acima da
vida, nem a vida acima da arte.
Quando parei, minha vida não
estava à altura da minha arte. A
arte estava acima. Eu sentia minha vida um pouco medíocre. Foi
bom parar, para colocar de novo
minha vida à altura da minha arte.
Folha - Pela última vez: você não
teve nenhum problema físico, não
operou as cordas vocais?
Marina - Não. Não me submeti a
nada, não fiz nada. Minha voz está
normal. Tratei de uma depressão.
Folha - Quando você disse isso, há
dois anos, muitos duvidaram.
Marina - Foi uma loucura. E era
verdade mesmo. A imprensa é engraçada, porque cobra muito a
verdade, mas, quando você diz,
ninguém acredita.
No Brasil existe um problema
muito grande em relação a psicanálise, terapia, que pude vivenciar
e queria relatar. Passei por uma
crise muito profunda, acabei num
poço de depressão. Estava indo
ladeira abaixo e não conseguia
achar o gancho. É uma doença,
feito problema reumático. Você
entra num círculo vicioso. Vai ficando ausente, não consegue se
conectar, fica com medo porque
não consegue descobrir o que é.
Graças a Deus tive sorte, consegui encontrar, depois de um ano,
um psiquiatra -se tivesse encontrado esse cara antes, não teria me
perdido. Demorou muito, foi só
depois de "Pierrot do Brasil", que
gravei sem saber o que eu tinha.
Comecei a ficar com medo, "será
que estou ficando louca?". Ninguém conseguia me ajudar.
A partir de um cara muito competente que encontrei -tive de
tomar Prozac e tudo-, comecei a
me sentir mais forte para sair do
pânico. Aí foi rápido. O problema
foi encontrar essa via. É um problema psíquico muito grave. Imagino que um pintor deva perder a
visão; eu não conseguia falar.
Folha - A relação é direta, se mostra no instrumento de trabalho?
Marina - Acho que sim, foi o que
aconteceu comigo. De certa forma, acho que foi até muito inteligente do meu corpo. Eu precisava
parar para voltar a ter um tesão e
um gás para meu trabalho e para
minha vida. Então o que fiz foi dizer a verdade. Já havia ido a vários
especialistas, eu não tinha nada
na voz. O que ia dizer? Inventar?
Tem de ter muito cuidado, porque essa coisa da depressão não
está ainda muito compreendida.
Comecei a ler vários livros, o nome que se dá é a "bílis negra da alma". Tem remédio, se você tratar
antes de desacreditar.
Quando entrei nessa crise, a
vontade que eu tinha (abaixa a
voz) era de ficar quieta, em silêncio, no vazio. Eu estava num grau
de prestígio e demanda que era
difícil de frear. Também tinha um
pouco de culpa, porque não sabia
o que era direito. Mas valeu.
Folha - É uma retomada? Houve
um truncamento na carreira?
Marina - Não. Foi muito boa a
parada. Por exemplo, descobri
que não gosto de dar entrevista.
Não tenho obrigação de sair por
aí caitituando. E isso me tira uma
expectativa e um peso enormes.
Folha - Você não se afasta de seu
público agindo assim?
Marina - Não. Por exemplo, por
que posei para a "Playboy"? Entre
outras coisas, inclusive estar precisando de grana, porque era
complicado estar tão longe da arte. Não consigo ficar numa redoma. Sou uma mulher, tenho 44
anos, mas estou aí para a vida. As
coisas me estimulam, fico nua, tenho tesão, estou viva, na luta.
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