São Paulo, segunda-feira, 24 de julho de 2000


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"À beira do abismo, estamos prestes a voar, como cantei em minha música", diz a artista, que havia perdido a voz por depressão Marina Lima prestes a voar



Após seis anos de crise que forçou "ida ao deserto", ela lança turnê na quinta; show chega a SP em setembro


Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Marina Lima, que se ausentou por depressão, volta aos palcos após seis anos, na quinta, em MG


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Sim, ela canta. Marina Lima, 44, encerra nesta quinta um período de seis anos sem cantar em público -três dos quais em profunda depressão, que chegou a levar, na ponta do iceberg, sua voz.
A crise trouxe toda sorte de boatos sobre sua saúde -inclusive de que operara as cordas vocais e não voltaria a cantar. Em 1998, ao lançar o CD "Pierrot do Brasil" -cantando-, falou sobre a depressão e afirmou que não tinha nenhum problema físico na voz.
Muitos não acreditaram, mas, sim, ela canta. Estréia nesta semana, em Juiz de Fora (MG), o show "Síssi na Sua", iniciando giro nacional que já tem datas confirmadas em Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Goiânia, Brasília e Rio de Janeiro. Em 14 de setembro, inicia temporada de três semanas em São Paulo.
"Síssi na Sua" é fundado principalmente em canções de "Registros à Meia Voz" (96) e "Pierrot do Brasil" (98), mais alguma memorabilia ("Fullgás", "Pra Começar"...) e três inéditas, duas delas compostas com a escritora Fernanda Young (leia letra ao lado).
Marina explica o título do show: "Queríamos um nome que sugerisse logo de cara que estou bem. A expressão que mais uso é "tô síssi", que em São Paulo tem tom pejorativo -fulano está "síssi", "se sentindo'-, mas no Rio, não, quer dizer "tô bem'".
A direção do show é do encenador teatral Enrique Diaz. "Marina vê muito teatro, ela é das poucas... Não sei exatamente qual é o ponto de trabalhar com ela, mas há alguma coisa abstrata, de criar uma atmosfera mais específica ligada ao fato de estar voltando. Ela está pilhada, animada, sem nenhuma cobrança de ego", justifica Diaz.
A Folha acompanhou, na semana passada, parte do ensaio num estúdio no Cosme Velho, no Rio, em que Marina se exibia bem-humorada e testava a recuperação de sua voz. Sim, ela está cantando.
Leia trechos da entrevista que a cantora e compositora carioca concedeu antes do ensaio, falando da crise, de certa indisposição com a mídia, do show...

Folha - Como você se sente voltando aos palcos?
Marina Lima -
Maravilhosa. Não faço show desde "O Chamado" (93), muita coisa aconteceu. É bom dar um tempo. Estou acreditando muito no que vou fazer.

Folha - Insegura?
Marina -
Insegura? Não, estou muito excitada, até porque o que vou fazer não é uma cópia do que eu fazia ou era. Há uma frase de Nietzsche que explica muito eu ter parado de cantar; diz que a arte tem de estar à altura da sua vida. A arte não pode estar acima da vida, nem a vida acima da arte.
Quando parei, minha vida não estava à altura da minha arte. A arte estava acima. Eu sentia minha vida um pouco medíocre. Foi bom parar, para colocar de novo minha vida à altura da minha arte.

Folha - Pela última vez: você não teve nenhum problema físico, não operou as cordas vocais?
Marina -
Não. Não me submeti a nada, não fiz nada. Minha voz está normal. Tratei de uma depressão.

Folha - Quando você disse isso, há dois anos, muitos duvidaram.
Marina -
Foi uma loucura. E era verdade mesmo. A imprensa é engraçada, porque cobra muito a verdade, mas, quando você diz, ninguém acredita.
No Brasil existe um problema muito grande em relação a psicanálise, terapia, que pude vivenciar e queria relatar. Passei por uma crise muito profunda, acabei num poço de depressão. Estava indo ladeira abaixo e não conseguia achar o gancho. É uma doença, feito problema reumático. Você entra num círculo vicioso. Vai ficando ausente, não consegue se conectar, fica com medo porque não consegue descobrir o que é.
Graças a Deus tive sorte, consegui encontrar, depois de um ano, um psiquiatra -se tivesse encontrado esse cara antes, não teria me perdido. Demorou muito, foi só depois de "Pierrot do Brasil", que gravei sem saber o que eu tinha. Comecei a ficar com medo, "será que estou ficando louca?". Ninguém conseguia me ajudar.
A partir de um cara muito competente que encontrei -tive de tomar Prozac e tudo-, comecei a me sentir mais forte para sair do pânico. Aí foi rápido. O problema foi encontrar essa via. É um problema psíquico muito grave. Imagino que um pintor deva perder a visão; eu não conseguia falar.

Folha - A relação é direta, se mostra no instrumento de trabalho?
Marina -
Acho que sim, foi o que aconteceu comigo. De certa forma, acho que foi até muito inteligente do meu corpo. Eu precisava parar para voltar a ter um tesão e um gás para meu trabalho e para minha vida. Então o que fiz foi dizer a verdade. Já havia ido a vários especialistas, eu não tinha nada na voz. O que ia dizer? Inventar?
Tem de ter muito cuidado, porque essa coisa da depressão não está ainda muito compreendida. Comecei a ler vários livros, o nome que se dá é a "bílis negra da alma". Tem remédio, se você tratar antes de desacreditar.
Quando entrei nessa crise, a vontade que eu tinha (abaixa a voz) era de ficar quieta, em silêncio, no vazio. Eu estava num grau de prestígio e demanda que era difícil de frear. Também tinha um pouco de culpa, porque não sabia o que era direito. Mas valeu.

Folha - É uma retomada? Houve um truncamento na carreira?
Marina -
Não. Foi muito boa a parada. Por exemplo, descobri que não gosto de dar entrevista. Não tenho obrigação de sair por aí caitituando. E isso me tira uma expectativa e um peso enormes.

Folha - Você não se afasta de seu público agindo assim?
Marina -
Não. Por exemplo, por que posei para a "Playboy"? Entre outras coisas, inclusive estar precisando de grana, porque era complicado estar tão longe da arte. Não consigo ficar numa redoma. Sou uma mulher, tenho 44 anos, mas estou aí para a vida. As coisas me estimulam, fico nua, tenho tesão, estou viva, na luta.


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