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MÚSICA
Seis títulos do "rei do baião", relançados recentemente, mostram como a bossa nova e o tropicalismo o afetaram
Guerra de gerações deturpou som de Gonzaga
DA REPORTAGEM LOCAL
A BMG dá continuidade ao
projeto de recuperação da obra
do pernambucano de Exu Luiz
Gonzaga (1912-89), relançando
em CD mais seis títulos de sua discografia (leia quadro ao lado), que
se somam aos dez editados em
maio (é sempre em torno da época junina, por que será?) de 98.
Há muito que recuperar ainda,
mesmo porque a escolha dos títulos não parece obedecer a alguma
lógica mais reconhecível.
Mas, bem, isso acaba sendo
uma qualidade, já que propicia
comparar os altos e baixos do homem que burilou e tornou gênero
nacional o baião, a partir do sucesso de "Baião" ("eu vou mostrar pra vocês/ como se dança o
baião"...), dele com Humberto
Teixeira.
Dois dos seis títulos são coletâneas, mas não no sentido em que
se entende coletânea hoje (ou seja,
produto que amontoa "sucessos"
sem qualquer critério ou capricho
de edição).
É que Gonzaga gravava desde o
início dos anos 40, e a supremacia
do gênero LP só foi começar a se
estabelecer no final dos 50. Essa
fase de transição, então, resultou
em LPs como "Luiz Gonzaga
Canta Seus Sucessos com Zé Dantas" (59), sensacional compilação
de obras-primas da dupla lançadas no decorrer dos anos 50.
Não há "Asa Branca" ou
"Baião" (da lavra da dupla Gonzaga-Teixeira), mas estão aqui
outras das mais perfeitas amostras da arte de Luiz Gonzaga -a
picaresca "O Xote das Meninas"
(53), a meiga "Sabiá" (51), a balançada "Riacho do Navio" (55), a
dramática "Vozes da Seca" (53)...
A outra compilação, "São João
na Roça" (62), reúne motivos juninos de Gonzaga -divertidíssimos, ótimos para arrasta-pé, mas
nada de fato muito importante.
Então vêm os quatro títulos originais, todos eles da década de 60,
riquíssimos para que se entendam várias coisas sobre a história
de Luiz Gonzaga.
O que eles explicam, nas entrelinhas, é que a natural guerra de gerações -a bossa nova havia eclodido em 58- operou estragos irreparáveis no vigor de Gonzagão.
Mais que a dança das cadeiras
entre os modismos de cada hora,
mostram que, por esgotamento
de fórmula, pela queda de auto-estima forçada pela chegada forte
dos mais novos ou pela decadência natural e inevitável, o artista
perdera muito de sua fibra àquela
altura.
Em "Ô Véio Macho" (62), inaugurava uma nova parceria, com
José Marcolino, que, embora direitinha, em pouco lembraria as
anteriores, históricas, com Humberto Teixeira, Zé Dantas. Luiz, o
cantor/animador, ajudava na impressão de queda, parecendo triste, desanimado.
"Sanfona do Povo" (64) marca
uma adesão ao populismo, provavelmente também ao próprio regime que se instalava.
Talvez nem fosse tão evidente
ou agressivo à época, mas a loa religiosa "Rainha do Mundo" soa,
hoje, trágica (não dá para rir), em
versos como "Senhora rainha do
mundo/ eu te suplico por piedade/ olhai e amparai/ esta terra da
liberdade". Que terra da liberdade, seu Gonzaga?
Depois vem "São João do Araripe" (68), mais vivo e arejado porque mais leve, também provavelmente porque o tropicalismo já
espanava um vento de reabilitação sobre o velho padroeiro. Aí
cabiam mais festas juninas, tradicionalismo, o drama nordestino
"A Cheia de 24", por Severino Ramos.
Por fim, há "Canaã" (69). Aí os
efeitos tropicalistas se amplificavam, e Gonzagão se ocupava da
empreitada de lançar seu filho,
Gonzaguinha, como compositor
em "Pobreza por Pobreza", "Festa", "Erva Rasteira" e "Diz Que
Vai Virar".
Mesmo que o velho artista não
quisesse, as quatro canções do filho (que só uns quatro anos depois conquistaria seu lugar ao sol,
via festivais universitários e música politizada, em tudo distantes
da festa que seu pai promovera
nas décadas passadas) sorrateiramente o afastavam da raiz do
baião (não só elas, é claro).
Como que em contra-ataque armado de dentro, "Canaã" retomava, depois de cerca de 20 anos
de afastamento, a parceria com
Humberto Teixeira, na faixa-título e em "Baião Polinário".
Nesta, estavam postas todas as
contradições. "Mai (sic) respeito
com o sertão/ essa coisa tão pachola/ sem cabocla e sem viola/
me perdoe, não é baião", indignava-se a letra.
Mas o tiro estava fugindo pela
culatra: o baião já estava deturpado, mesmo o de Luiz Gonzaga e
Humberto Teixeira. Luiz exibia
na voz e no viço a dor de já pertencer mais à história que à vida, e assim seria por mais 20 anos (fase
que a BMG fica devendo). Cruel,
mas costuma ser assim mesmo.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
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