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Autor sobrepõe beleza à tragédia
Em novo livro, Colum McCann evoca lembrança das Torres Gêmeas por meio de equilibrista que as atravessou
"Deixe o Grande Mundo Girar" deu ao escritor irlandês o National Book Award de 2009; autor participa da Flip
ROBERTO KAZ
DE SÃO PAULO
Quando as Torres Gêmeas
despencaram, em setembro
de 2001, o escritor irlandês
Colum McCann estava em
seu apartamento, em Manhattan, acompanhado da
mulher e da filha.
Primeiro, a tragédia lhe
atingiu através da poeira -
"Restos de concreto e sabe-se
lá o quê"-, turvando as janelas de sua casa. Depois, pelo
relato de seu sogro, sobrevivente do World Trade Center.
"Minha filha, quando o viu,
cheirando a queimado, começou a chorar, dizendo que
o avô estava pegando fogo",
contou McCann.
"Tentei explicar que era só
a fumaça, mas ela disse que
não, que ele estava queimando de dentro para fora." Ele
conta que percebeu que a frase, em princípio ingênua, poderia descrever o país.
A partir de então, McCann
começou a elaborar "Deixe o
Grande Mundo Girar", livro
que levou cinco anos sendo
escrito e que lhe valeu, em
2009, o National Book
Award, mais importante prêmio literário americano.
Embora o enredo perpasse
sempre as Torres Gêmeas, o
escritor preferiu confiná-las
em um momento de beleza:
quando emolduraram, em
1974, a travessia do equilibrista Philippe Petit sobre
um cabo de aço a 110 andares
do chão. "Não queria problematizar o atentado, formular
uma lição de moral."
McCann diz que embora
sua história se passe no passado, o desabamento das torres está lá, nas entrelinhas,
para quem quiser vê-lo: "Hoje, ninguém consegue ler as
palavras "world", "trade" e
"center" sem atribuir um peso a elas".
Sustenta, no entanto, que
o livro traz mais uma ideia de
consternação do que de luto.
"Meu sogro, que está aqui do
meu lado, ainda tem pesadelos com os bombeiros que
não sobreviveram. Mas,
aparte isso, a vida continua,
ele está vivo, tem uma neta."
Prestes a conhecer o Brasil
para participar da Flip (sua
mesa está agendada para 12
de agosto), McCann deu a seguinte entrevista à Folha,
por telefone:
Folha- O senhor disse, em
uma entrevista, que na primeira ideia que teve do livro,
o equilibrista cairia.
Colum McCann- É verdade.
A abertura, em vez de ser
"Aqueles que o viram silenciaram", seria "A perspectiva
de um homem em queda.
Aqueles que o viram silenciaram". Mas então a comparação à queda das torres ficaria
muito óbvia, e o livro não traria uma ideia otimista, não
seria sobre cura. Quanto
mais eu pensava, menos
atraente isso me parecia.
No livro, enquanto o público
observa Petit, o senhor diz
que eles "queriam testemunhar uma grande queda, e
que "tudo que precisavam para se tornar uma família era
um milissegundo de vacilação'". A queda das torres
transformou os EUA em uma
família?
Pouco tempo após o atentado, marchei contra a invasão ao Iraque. Mas, ao mesmo tempo, havia gente em
igual número apoiando a
guerra. Nos tornamos uma
família fragmentada. Agora,
o mais interessante é que Nova York, por ser uma cidade
tão internacional, se recuperou mais rápido do que o interior do país, onde a cicatriz
demorou para fechar.
Em uma passagem da história, o senhor diz que Petit "estava fazendo uma declaração
com seu corpo, e se sobrevivesse se tornaria um monumento". Se as torres tivessem
sobrevivido, elas virariam
monumentos?
Não. As torres eram feias,
pesadas. O impacto da queda
criou uma espécie de monumento à ganância, à violência, à intolerância. Mas quando eu vou lá, no terreno onde
elas estavam, prefiro pensar
em Philippe Petit andando
no ar. Para mim, o ato de beleza dele, que é absolutamente único, impossível de
ser repetido, sobreviveu quase tão poderoso quanto o ato
de destruição.
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