São Paulo, sábado, 24 de julho de 2010

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Autor sobrepõe beleza à tragédia

Em novo livro, Colum McCann evoca lembrança das Torres Gêmeas por meio de equilibrista que as atravessou

"Deixe o Grande Mundo Girar" deu ao escritor irlandês o National Book Award de 2009; autor participa da Flip


ROBERTO KAZ
DE SÃO PAULO

Quando as Torres Gêmeas despencaram, em setembro de 2001, o escritor irlandês Colum McCann estava em seu apartamento, em Manhattan, acompanhado da mulher e da filha.
Primeiro, a tragédia lhe atingiu através da poeira - "Restos de concreto e sabe-se lá o quê"-, turvando as janelas de sua casa. Depois, pelo relato de seu sogro, sobrevivente do World Trade Center. "Minha filha, quando o viu, cheirando a queimado, começou a chorar, dizendo que o avô estava pegando fogo", contou McCann.
"Tentei explicar que era só a fumaça, mas ela disse que não, que ele estava queimando de dentro para fora." Ele conta que percebeu que a frase, em princípio ingênua, poderia descrever o país.
A partir de então, McCann começou a elaborar "Deixe o Grande Mundo Girar", livro que levou cinco anos sendo escrito e que lhe valeu, em 2009, o National Book Award, mais importante prêmio literário americano.
Embora o enredo perpasse sempre as Torres Gêmeas, o escritor preferiu confiná-las em um momento de beleza: quando emolduraram, em 1974, a travessia do equilibrista Philippe Petit sobre um cabo de aço a 110 andares do chão. "Não queria problematizar o atentado, formular uma lição de moral."
McCann diz que embora sua história se passe no passado, o desabamento das torres está lá, nas entrelinhas, para quem quiser vê-lo: "Hoje, ninguém consegue ler as palavras "world", "trade" e "center" sem atribuir um peso a elas". Sustenta, no entanto, que o livro traz mais uma ideia de consternação do que de luto.
"Meu sogro, que está aqui do meu lado, ainda tem pesadelos com os bombeiros que não sobreviveram. Mas, aparte isso, a vida continua, ele está vivo, tem uma neta." Prestes a conhecer o Brasil para participar da Flip (sua mesa está agendada para 12 de agosto), McCann deu a seguinte entrevista à Folha, por telefone:

Folha- O senhor disse, em uma entrevista, que na primeira ideia que teve do livro, o equilibrista cairia.
Colum McCann
- É verdade. A abertura, em vez de ser "Aqueles que o viram silenciaram", seria "A perspectiva de um homem em queda. Aqueles que o viram silenciaram". Mas então a comparação à queda das torres ficaria muito óbvia, e o livro não traria uma ideia otimista, não seria sobre cura. Quanto mais eu pensava, menos atraente isso me parecia.

No livro, enquanto o público observa Petit, o senhor diz que eles "queriam testemunhar uma grande queda, e que "tudo que precisavam para se tornar uma família era um milissegundo de vacilação'". A queda das torres transformou os EUA em uma família?
Pouco tempo após o atentado, marchei contra a invasão ao Iraque. Mas, ao mesmo tempo, havia gente em igual número apoiando a guerra. Nos tornamos uma família fragmentada. Agora, o mais interessante é que Nova York, por ser uma cidade tão internacional, se recuperou mais rápido do que o interior do país, onde a cicatriz demorou para fechar.

Em uma passagem da história, o senhor diz que Petit "estava fazendo uma declaração com seu corpo, e se sobrevivesse se tornaria um monumento". Se as torres tivessem sobrevivido, elas virariam monumentos?
Não. As torres eram feias, pesadas. O impacto da queda criou uma espécie de monumento à ganância, à violência, à intolerância. Mas quando eu vou lá, no terreno onde elas estavam, prefiro pensar em Philippe Petit andando no ar. Para mim, o ato de beleza dele, que é absolutamente único, impossível de ser repetido, sobreviveu quase tão poderoso quanto o ato de destruição.


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