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CRÍTICA ROMANCE
Prosa excepcional de McCann revela mazelas do cotidiano
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Tornou-se consenso ler
"Deixe o Grande Mundo Girar", excepcional romance
do irlandês Colum McCann
(Dublin, 1965), como "o grande romance sobre o 11 de Setembro" (a "Esquire" começou com a onda).
A relação com o evento é
inescapável, claro, mas surge no livro (ou não surge) assim como na célebre capa de
Art Spiegelman para a "New
Yorker" posterior à catástrofe: duas silhuetas negras das
Torres Gêmeas inexistentes.
O fato é que rigorosamente
nada do argumento dessa
narrativa deveria ser adiantado ao leitor, pois o estilo tateante de McCann exige que
personagens e suas histórias
se desvelem com vagar, no
compasso de frases breves e
longas, plenas de ritmo.
Um exemplo: "Oh. O interfone. Oh. Oh. Colher caída no
chão. Oh. Caminhando rápida pelo corredor. Volta e pega a colher. Tudo pronto agora, pronto, sim. Me dê de volta o corpo dele, Sr. Nixon, e
não discutiremos. Pegue este
cadáver, com todos os seus
52 anos, e troque-o; eu não
me arrependerei, não me
queixarei. Apenas devolva-o
todo costurado e bonito".
Esse hábil oscilar entre terceira pessoa onisciente e vozes (neste caso a de Claire Soderberg, que perdeu o filho
no Vietnã) aumenta a sensação de que o texto está sendo
escrito diante dos olhos do
leitor.
A boa tradução de Maria
José Silveira contribui para a
vertigem.
DORES DO MUNDO
Fiquemos com dois aspectos fundamentais da trama:
os eventos ocorrem sob a
sombra do acrobata francês
Philippe Petit atravessando
num cabo a distância entre
as Torres Gêmeas em 1974.
Abaixo dele, estão Nova
York e a vida das pessoas testando seu tênue equilíbrio
diante das mazelas da vida.
Entre elas, está Corrigan,
um monge irlandês que abdicou de tudo para cuidar de
prostitutas viciadas, entre
elas Tillie e Jazzlyn, mãe e filha. Tillie tem 38 anos e já é
avó.
Ele próprio um alcoólatra,
Corrigan recebe seu irmão
vindo da Irlanda, que o define: "Corrigan desejava as dores das outras pessoas. Não
queria lidar com a sua".
Espécie de receptáculo das
dores do mundo, os dramas
de "Deixe o Grande Mundo
Girar" acontecem ao redor da
existência de Corrigan.
"Tais pessoas sucumbirão
ou não? Quando Petit despencará?", muitos se perguntam. Outros torcem para
que ele simplesmente não
caia, perdurando na memória em lugar das torres que
não mais existem.
Herdeiro do fervor humanista que percorre grande
parte da literatura norte-americana, aquela escrita
por imigrantes e que talvez
tenha surgido em Sherwood
Anderson, Colum McCann
fez de seu romance um pungente memorial que desafiará a passagem do tempo.
JOCA REINERS TERRON é autor de "Do
Fundo do Poço se Vê a Lua" (Companhia
das Letras).
DEIXE O GRANDE
MUNDO GIRAR
AUTOR Colum McCann
TRADUÇÃO Maria José Silveira
EDITORA Record
QUANTO R$ 52,90 (378 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
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