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Febre na Europa, cantora islandesa faz shows concorridos, lança disco e é tema de livro
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Björk
A deusa pagã do pop
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
Björk é uma febre na Europa.
Nas bancas de revistas, está na capa de várias publicações. Seu novo disco, "Vespertine", chega às
lojas na próxima terça-feira. No
mesmo dia, será lançado o livro
"Björk", publicado pela prestigiosa Editions du Seuil (a mesma do
Nobel Günter Grass). No livro,
sua imagem serve como signo
mutante para o trabalho de vários
artistas e fotógrafos de vanguarda, como Nobuyoshi Araki e Inez
van Lamsweerde.
O rosto da cantora islandesa de
35 anos também está estampado
por toda Paris, nos cartazes publicitários que anunciam o disco e os
concertos que dão início à sua turnê mundial.
Björk queria se apresentar na
Ópera de Paris, que não tinha datas disponíveis. Seus dois espetáculos foram realizados no Grand
Rex, um velho cinema transformado em sala de espetáculos, nos
dias 18 e 20. Em cada show, havia
2.000 pessoas, a lotação total. Um
número pequeno, se comparado
ao de suas megaapresentações.
Mas ela não queria muito mais.
Quer menos, aliás. Amanhã vai
repetir o show para 300 pessoas
na maravilhosa Sainte-Chapelle,
construída em 1248. Cantará sem
microfone, andando pela platéia,
como ela própria antecipou. Os
ingressos estão esgotados há meses. Um jornal afirmou que chegam a custar 30 mil francos (R$ 10
mil) no câmbio negro. O primeiro-ministro francês, Lionel Jospin, teria reservado um lugar para
o espetáculo.
A passagem de Björk por Paris,
desta vez, ultrapassa a rotina das
turnês musicais. É um marco, um
divisor de águas. A cantora trouxe
para a cidade um show rigoroso e
comovente, um disco difícil e
uma linguagem poético-musical
única e delicada. Em troca, os
franceses a aclamaram. Não apenas como a maior diva do pop,
mas como um ícone da arte contemporânea e um anjo anunciador do futuro da música.
A björkmania não pode ser explicada, porém, como simples resultado da campanha publicitária
e da promoção da imprensa. Os
ingressos dos shows se esgotaram
antes que essa campanha começasse e as revistas pudessem falar
a respeito, como ocorreu com a
turnê do Radiohead nos Estados
Unidos.
Björk e Radiohead se beneficiam ambos de um fenômeno novo, pós-midiático e pós-massivo,
que é a rede de informações da internet. Essa rede não só está difundindo informações específicas
mais rapidamente do que a mídia
convencional, como está imprimindo mudanças no gosto cultural (sobretudo juvenil) e se antecipando ao próprio cronograma da
indústria do disco, quando distribui as músicas dos CDs.
A situação de disporem de um
imenso número de fãs sem precisarem se submeter à imaginação
comercial dos empresários da
música deixa artistas como Björk
e Thom Yorke (Radiohead) com
bastante autonomia, tanto para
criar quanto para exibir sua criação. Björk, ex-punk, é bastante
solícita para com o espetáculo armado à sua volta, mas Yorke é um
crítico feroz de tudo. Sua rebeldia
política é conhecida.
Fora isso, Björk Gudmundsdottir parece ter se tornado, mais ainda após o filme de Lars von Trier
("Dançando no Escuro"), que lhe
deu em 2000 o prêmio de melhor
atriz no Festival de Cannes, uma
espécie de ponte entre as várias
artes e tendências culturais e um
nome tolerável da música jovem
para o velho establishment crítico. Para estes, sua música está se
deslocando progressivamente rumo a um outro registro, que, impossível de definir, eles costumam
chamar de jazz.
A cantora enfatizou contudo
que "ainda está orgulhosa de fazer
música pop", na entrevista coletiva para 200 jornalistas de todo o
mundo.
A entrevista aconteceu na sede
do Partido Comunista, escolha
que ela definiu, com um sorriso
matreiro, como atendendo a "razões apenas estéticas". O projeto
da sede do PC é do arquiteto Oscar Niemeyer. Na entrevista,
Björk afirmou que a generosidade
é a "essência" de seu trabalho.
Generosidade e paixão foi o que
se viu no concerto de lançamento
de "Vespertine". A cantora se
apresentou com uma orquestra
de cordas de 42 músicos, um coro
folclórico de 15 mulheres inuítas
(tribo que vive na região do Alasca e da Groenlândia), o duo californiano Matmos e a harpista nova-iorquina Zeena Parkins.
Catherine Deneuve era a presença mais ilustre na platéia. A
atriz francesa (que contracenou
com Björk no filme de Von Trier)
parou o Grand Rex ao entrar pelo
hall, como qualquer espectador.
"Björk e eu somos boas amigas,
eu a vejo sempre. Gosto muito de
sua música", disse, enquanto
acendia um cigarro, e antes de ser
carregada pelos amigos para dentro do auditório.
O show é dividido em três partes, com intervalos. A abertura fica por conta do ótimo som tecno-experimental do Matmos.
Quando inicia a segunda parte,
a voz de Björk está soando no escuro. Um facho de luz explode.
Ela está à frente da orquestra, no
meio do público, cantando
"Harm of Will", do novo disco.
Caminha pela platéia, por dois
corredores, e sobe ao palco. No telão, surgem imagens de geleiras
em tons muito azuis e brancos.
Björk começa a segunda parte
do espetáculo sozinha no palco,
cantando "You've Been Flirting
Again". Está vestida de vermelho,
com uma saia de plumas e a blusa
coberta de pequenas placas reluzentes de vidro ou de plástico que
balançarão durante todo o tempo,
transformando o corpo da cantora num instrumento de percussão. Os cabelos estão soltos, escorridos. Os pés, descalços.
Björk parece ungida pelo sublime. As músicas, entre a canção de
ninar e o melodrama, convocam
ao mesmo tempo os sentimentos
mais simples e os estados de alma
mais fundos. Há uma grande elaboração sonora em tudo.
Leitora do poeta cummings,
que ela cita no novo disco, Björk
desconstrói palavras, deixa outras
deslizarem ao som das cordas da
orquestra, procura no canto um
contraponto aos sons eletrônicos.
Estende os braços, dança, corre
pelo palco feito criança. Sua voz
reitera a promessa de inocência. A
platéia vibra. Ela agradece: "Merci, merci beaucoup". Em "Vespertine", Björk é a estrela bailarina de
Dionisos, de que falava Nietzsche.
É a música como redenção, soando no céu escuro do mundo.
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