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CINEMA/ESTRÉIA
Clara Law se deixa guiar por sucessos do estilo "road movie" e por fetichismo do mundo publicitário
"A Deusa de 1967" reafirma kitsch australiano
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Espécie de cult pré-fabricado,
"A Deusa de 1967" é um desses "road movies" que preferem
seguir a trilha de outros sucessos
do gênero a procurar um caminho próprio.
Preocupada, antes de tudo, em
conquistar a adesão do público
jovem, a diretora Clara Law deixa-se guiar por essas referências
até o momento em que, obrigada
a dar sua contribuição pessoal,
embrenha pelo perigoso terreno
da simbologia.
A simpatia artificiosa e "déjà
vu" das primeiras cenas é então
substituída por tomadas de um
progressivo mau gosto.
A deusa em questão é o Citroën
DS ("Déesse", deusa em francês),
um carro que é o fetiche dos colecionadores. O comprador da tal
deusa de 67, no entanto, não coleciona carros, mas cobras.
Trata-se de um jovem japonês
excêntrico, JM, que vai parar na
Austrália depois de fechar o negócio pela internet.
Não por acaso, é um misterioso
assassinato que dá início à relação
de JM com a outra protagonista
da história, uma cega australiana,
a (verdadeira) proprietária da
DS/67, impulsionando a dupla
para a estrada.
As referências que norteiam o
filme, "road movies" como "Coração Selvagem" e "Assassinos
por Natureza", partem do mesmo
mote. E a inspiração de JM é o
"Samurai" de Jean-Pierre Melville, o assassino "cool" do Citroën
DS, encarnado por Alain Delon.
Juntos, JM e BG adentram o território australiano (onde se radicou a diretora Law, originária de
Macau e mais conhecida no Brasil
por um dos episódios de "Érotique"), com a sua DS, a deusa do
deserto.
Curioso, afinal, que o filme se
apóie num velho binômio do fetichismo publicitário: carro moderno/mulher bonita.
"A Deusa de 1967" tem a eficiência vazia das peças publicitárias
de lançamentos de carro: a falta
de originalidade das idéias é compensada pelo tratamento e acabamento da imagem.
Impossível dourar essa pílula:
ela já nasceu dourada (o "simulacro de cult" já vem se tornando
um gênero à parte) e, além do
mais, não passa de um placebo.
Tanto pior, portanto, quando a
diretora encontra um fim terapêutico para a sua jornada, buscando, em flashbacks que apontam para um passado cada vez
mais longínquo, aquilo que é impossível: explicar psicologicamente seus personagens.
Law procura um fundo para a
carcaça de sua "Deusa". Ela elege
assim a virginal BG como a verdadeira deusa da história, mas suas
investidas no passado não fazem
mais do que reafirmar o kitsch
habitual do cinema australiano.
Melhor seria que ela se restringisse às referências e à história do
Citroën DS, contada aqui em inserções informativas, ao estilo enciclopédico de Greenaway.
A Deusa de 1967
The Goddess of 1967
Direção: Clara Law
Produção: Austrália, 2000
Com: Rose Byrne, Rikiya Kurokawa,
Nicholas Hope
Quando: a partir de hoje no Top Cine
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