São Paulo, sábado, 24 de agosto de 2002 |
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As várias mortes (e vidas) de Jesus
Imagem de Cristo exibida na série "Filho de Deus", da BBC; documentário que recriou o mundo bíblico por meio de imagens computadorizadas feitas a partir de estudos de historiadores, arqueólogos, cientistas e religiosos SYLVIA COLOMBO EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA Deus suicidou-se na cruz. Arrependido por ter exagerado no castigo dado a Adão, Eva e a toda a humanidade, o Criador resolveu punir a si mesmo. Lançou-se no mundo, encarnado num ser humano -do sexo masculino- sofreu, se humilhou e, por fim, se matou. O autor dessa controvertida teoria é alguém já acostumado a polêmicas religiosas, o norte-americano Jack Miles, 60, vencedor do Prêmio Pulitzer por "Deus - Uma Biografia" (Companhia das Letras, 95). Naquele livro, Miles tratava o Criador como um personagem de ficção, sem se preocupar com interpretações históricas, filosóficas ou religiosas do texto bíblico. Da mesma forma, o escritor, que é cristão, ex-jesuíta e doutor em línguas do Oriente Médio pela Universidade de Harvard, volta agora sua atenção ao Novo Testamento em "Cristo - Uma Crise na Vida de Deus". Numa original e muitas vezes irônica prosa ensaística, Miles argumenta que Cristo foi uma criação necessária para dar fim a uma crise divina, redimindo a culpa do Criador por meio de sua autodestruição. Essa culpa não diria respeito apenas à punição de Adão e Eva, mas também ao fato de Deus não ter cumprido sua promessa de salvar Israel dos babilônios. Seu remorso teria aumentado com a expansão do domínio romano. Incapaz de libertar os judeus da opressão, Deus resolve, então, se transformar num deles e sofrer antecipadamente aquilo que seu povo sofreria. Por que teria agido assim? Miles responde citando Albert Camus: "A verdadeira razão é que ele próprio sabia que não era completamente inocente". Jesus é retratado como herói. E não um herói comum. Para o autor, o Redentor encerra em si a transformação do Deus guerreiro do Antigo Testamento em um Deus pacifista. "De leão, transforma-se em cordeiro", disse. "Cristo fundou a idéia de um "herói-vítima" e virou modelo para a literatura ocidental." Quanto ao texto do Novo Testamento, Miles o vê como parte do cânone literário. Chama a atenção para sua economia narrativa e para a ausência de descrições. "Não há desperdício, em cada cena só aparece o que é necessário, para que só se dê atenção à mensagem. Mesmo o humor, quando existe, é para cumprir uma finalidade", diz. Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Miles concedeu à Folha. Folha - Você propõe uma leitura
do Novo Testamento que não seja
histórica nem teológica, e sim literária. Como define isso? |
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