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LIVRO/LANÇAMENTO
JESUS CRISTO
Para Jack Miles, a ressurreição é o clímax de um épico divino, mais próximo da comédia que da tragédia
Ícone vira "obsessão na literatura ocidental"
DA REDAÇÃO
A seguir, a continuação da entrevista de Jack Miles à Folha.
(SYLVIA COLOMBO)
Folha - Qual a importância de
Cristo como símbolo literário?
Jack Miles - Antes dele, o herói literário nunca era vítima. Depois,
o herói-vítima se tornou uma obsessão na literatura ocidental. Alguém pode dizer que a tragédia
grega também traz a vítima como
herói. Mas ali há uma confrontação entre o homem e nêmesis
(vingança) ou ananke (destino),
ou seja, forças divinas contra as
quais o ser humano não tem
chance. Cristo não é um herói trágico, pois combina em si mesmo
o herói grego e as forças divinas.
Na história que protagoniza,
não há outra força maior que ele.
Isso faz de seu auto-sacrifício uma
morte voluntária, um suicídio.
Morre humilhado, como um criminoso. A aparência de nobreza é
arrancada dele com suas roupas.
Tudo isso virou um estímulo infindável à imaginação literária.
Folha - Como a sexualidade de
Cristo molda esse símbolo?
Miles - Significa muito o fato de
Jesus ter se tornado um ser humano do sexo masculino, algo que
passou em branco por muito tempo. Jesus nos aparece como um
marido fiel ou um padre, mas é
necessário para seu personagem o
fato de que ele é um parceiro sexual em potencial, ainda que aparentemente nunca atue. Jesus
nunca se casa nem tem filhos e
morre jovem, fica congelado em
sua juventude. Há algo em comum entre ele e atores famosos
que sofreram. Como James Dean,
Cristo foi lembrado para sempre.
Folha - Você diz que a Bíblia é
uma obra de arte que insiste em dizer que não é uma obra de arte, e
por isso precisa ser levada a sério.
Acha que essa contradição explica
as contradições da própria arte?
Miles - Sim. Artistas sentem as
imperfeições do mundo de maneira mais aguçada que os outros
e buscam transferir significados.
Um romancista politizado tentará
fazer de sua ficção uma substituta
para a política. Assim como um
artista religioso quer fazer de sua
arte uma espécie de religião. Todo
esse esforço de substituição é falso
e não funciona, ainda assim, serve
como uma provocação. Hoje em
dia, esse é o papel que resta à arte.
Folha - Cristo resulta de um sentimento de culpa divino?
Miles - Sim, encarnado, Deus sofre as consequências -dor, humilhação e morte- do castigo
que infligiu às suas criaturas. E
cria a eucaristia. Ao unir-se a ele
em sua morte, seus seguidores
preparam-se para unir-se a ele em
sua ressurreição. É assim que ele
acredita reparar o estrago que fez.
Restitui o presente da vida eterna
que entregou e arrancou de Adão
e Eva. Em Cristo, o épico divino
encontra seu clímax, e porque sua
derrota é na realidade uma vitória, o épico é uma divina comédia
mais do que uma divina tragédia.
A auto-humilhação de Deus vai
além de tudo o que um herói trágico sofre, depois ultrapassa o que
uma catarse trágica atinge.
CRISTO - UMA CRISE NA VIDA DE
DEUS. De: Jack Miles. Tradutores: Carlos
Eduardo Lins da Silva e Maria Cecília de
Sá Porto. Editora: Companhia das Letras.
Preço: R$ 42 (400 págs.)
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