São Paulo, terça-feira, 24 de agosto de 2004

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FERNANDO BONASSI

Antiprojeto

Colaborando para diminuir os acordos dos insurgentes ocasionais e dirimir os desconcertos dementes com os quais os desacertos das lideranças locais vêm acometendo as relações sociais através dos meios de comunicação de massa, propomos uma cortina de fumaça sob a forma dos seguintes maus conselhos paternais, fornidos na história dos sindicatos tradicionais acossados para calar e dos governos recentes apressados demais para mandar:
1. Os textos deverão se conformar aos contextos em que forem chamados a obedecer para fornecer pretextos para ações bissextas. As entrelinhas serão suprimidas dos entre-significados que por uma aventura jurídica ou conceitual venham a levar algum amigo ao tribunal ou ao distrito policial. Os parágrafos conterão anexos. Os anexos conterão citações conexas. As citações conexas serão dispersas e imprecisas, por serem consideradas melhores assim. Já as aspas, as vírgulas e os acentos serão numerados e deverão ser muito bem pesados e medidos antes que alguém se sente sobre os mesmos. Os acadêmicos mais irados poderão ser substituídos por analfabetos informais e indiferentes às causas ocultas dessas gramáticas castiças e ditaduras postiças.
2. Os chamados homens de palavra serão aconselhados a permanecer em silêncio, para evitar problemas de sentido, podendo os mesmos virem a perder os próprios sentidos, todos, de uma vez e para sempre se insistirem em seu egoísmo pequeno-burguês. Por falar nisso, dessa vez a disciplina necessária nas atividades informativas será assegurada pelas generalidades assertivas e soturnas das "legisladuras" e pelos coturnos dos lacaios da censura.
3. Qualquer comentarismo jocoso, raivoso ou manhoso quanto ao barroquismo charmoso do continuísmo moroso deverá ser considerado denuncismo escandaloso. Os demais "ismos", incluindo o "capitalismo", se transformarão nessa singularidade insossa e bovina, sendo patrocinada pelo agronegócio concentracionário, latifúndios escravistas e comissários comunistas reacionários.
4. Os vazamentos de bastidores deverão ser vedados num prazo máximo de 24 horas, de forma que os jornais do dia seguinte, ao embrulharem o peixe, não dêem conta do que cheira mal em seus conteúdos. Subseqüentes informações conseqüentes serão convidadas a se retirar da página branca e das fitas virgens dessas sacanagens. As notícias, de passagem, poderão continuar dando fome de comprar, desejo de matar ou vontade de dormir, jamais a coragem irrepreensível de transformação dessa irrealidade em corrosão. Assim, o que é irrepreensível deixará de existir. O incompreensível deverá ser explicado de qualquer maneira pelos assessores imediatos. Os assessores imediatos terão outros contatos, se for preciso. Se forem imprecisos nos vetos, se bicheiros forem convocados a dedar ou se não se votar a matéria a tempo, poderá ser baixada a guilhotina das eternas medidas provisórias nos pescoços desses amigos jornalistas e inimigos picaretas.
5. Quanto à idéia de que devemos proteger o mercado dos desqualificados, nada mais adequado, uma vez que há desqualificados em quantidade na fila do subemprego temporário desse mesmo mercado achatado.
6. A fiscalização será severa. Todas as carteirinhas deverão estar em dia com as suas prestações de contas. As multas, prisões ou extorsões de cervejinha ficarão a critério, consciência e ilusão da autoridade delegada.
7. No mais, o cinema deverá ficar restrito ao sertão bonito de ver e à beleza duvidosa das cidades desregradas, levando alguns a subirem aos céus como estrelas, enquanto o resto desce à terra como cadáveres. A televisão comercial será transformada em televisão cultural, vendendo gato por lebre, burocratas por estadistas e dramaturgia venal por nostalgia moral. As conversas ao pé do rádio poderão se transformar em golpes no pé do ouvido, fiquem de olhos abertos! Quanto aos "boas-noites" sorridentes dos telejornais convenientes, gases e frases hilariantes serão liberadas para as gargalhadas dos camaradas, de forma que a pequena população pensante se transforme em criança ignorante, como a maioria. As universidades e as boas faculdades do pensamento continuarão por fora dessas discussões e apedrejadas como cachorros mortos sempre que emerjam com inteligência e ousadia. Aliás, a dúvida será chutada com desculpas para baixo do tapete; a contradição, abatida com a decisão dos cassetetes, e o futuro fulgurante se espelhará no presente insignificante.
Os ministros, arrivistas e banqueiros atingidos pelos dejetos dos ventiladores públicos em que se arejam, serão aconselhados a manterem-se no ar viciado e recondicionado de mandatos ultrapassados, pisando no bolso dos salários e na esperança dos otários.
Esse antiprojeto foi forjado por fora, nas coxas dos advogados da hora, ilustrados na tradição de nossa história de democracia, violência e mais-valia, para que penetre fundo os corações, mentes e demais órgãos vitais dos cidadãos normais dessa Província.
Aliás, qualquer semelhança com atos institucionais execráveis e lamentáveis condutas terá sido coincidência fortuita, estando este mesmo escrito sujeito às penas descritas nessas idéias caducas de leis ridículas, patéticas, proféticas e malucas.


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