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FERNANDO BONASSI
Antiprojeto
Colaborando para diminuir os acordos dos insurgentes ocasionais e dirimir os desconcertos dementes com os quais
os desacertos das lideranças locais
vêm acometendo as relações sociais através dos meios de comunicação de massa, propomos uma
cortina de fumaça sob a forma
dos seguintes maus conselhos paternais, fornidos na história dos
sindicatos tradicionais acossados
para calar e dos governos recentes
apressados demais para mandar:
1. Os textos deverão se conformar aos contextos em que forem
chamados a obedecer para fornecer pretextos para ações bissextas.
As entrelinhas serão suprimidas
dos entre-significados que por
uma aventura jurídica ou conceitual venham a levar algum amigo
ao tribunal ou ao distrito policial.
Os parágrafos conterão anexos.
Os anexos conterão citações conexas. As citações conexas serão dispersas e imprecisas, por serem
consideradas melhores assim. Já
as aspas, as vírgulas e os acentos
serão numerados e deverão ser
muito bem pesados e medidos antes que alguém se sente sobre os
mesmos. Os acadêmicos mais irados poderão ser substituídos por
analfabetos informais e indiferentes às causas ocultas dessas
gramáticas castiças e ditaduras
postiças.
2. Os chamados homens de palavra serão aconselhados a permanecer em silêncio, para evitar
problemas de sentido, podendo os
mesmos virem a perder os próprios sentidos, todos, de uma vez e
para sempre se insistirem em seu
egoísmo pequeno-burguês. Por
falar nisso, dessa vez a disciplina
necessária nas atividades informativas será assegurada pelas generalidades assertivas e soturnas
das "legisladuras" e pelos coturnos dos lacaios da censura.
3. Qualquer comentarismo jocoso, raivoso ou manhoso quanto
ao barroquismo charmoso do
continuísmo moroso deverá ser
considerado denuncismo escandaloso. Os demais "ismos", incluindo o "capitalismo", se transformarão nessa singularidade insossa e bovina, sendo patrocinada
pelo agronegócio concentracionário, latifúndios escravistas e comissários comunistas reacionários.
4. Os vazamentos de bastidores
deverão ser vedados num prazo
máximo de 24 horas, de forma
que os jornais do dia seguinte, ao
embrulharem o peixe, não dêem
conta do que cheira mal em seus
conteúdos. Subseqüentes informações conseqüentes serão convidadas a se retirar da página
branca e das fitas virgens dessas
sacanagens. As notícias, de passagem, poderão continuar dando
fome de comprar, desejo de matar
ou vontade de dormir, jamais a
coragem irrepreensível de transformação dessa irrealidade em
corrosão. Assim, o que é irrepreensível deixará de existir. O
incompreensível deverá ser explicado de qualquer maneira pelos
assessores imediatos. Os assessores imediatos terão outros contatos, se for preciso. Se forem imprecisos nos vetos, se bicheiros forem
convocados a dedar ou se não se
votar a matéria a tempo, poderá
ser baixada a guilhotina das eternas medidas provisórias nos pescoços desses amigos jornalistas e
inimigos picaretas.
5. Quanto à idéia de que devemos proteger o mercado dos desqualificados, nada mais adequado, uma vez que há desqualificados em quantidade na fila do subemprego temporário desse mesmo mercado achatado.
6. A fiscalização será severa. Todas as carteirinhas deverão estar
em dia com as suas prestações de
contas. As multas, prisões ou extorsões de cervejinha ficarão a critério, consciência e ilusão da autoridade delegada.
7. No mais, o cinema deverá ficar restrito ao sertão bonito de ver
e à beleza duvidosa das cidades
desregradas, levando alguns a subirem aos céus como estrelas, enquanto o resto desce à terra como
cadáveres. A televisão comercial
será transformada em televisão
cultural, vendendo gato por lebre,
burocratas por estadistas e dramaturgia venal por nostalgia moral. As conversas ao pé do rádio
poderão se transformar em golpes
no pé do ouvido, fiquem de olhos
abertos! Quanto aos "boas-noites" sorridentes dos telejornais
convenientes, gases e frases hilariantes serão liberadas para as
gargalhadas dos camaradas, de
forma que a pequena população
pensante se transforme em criança ignorante, como a maioria. As
universidades e as boas faculdades do pensamento continuarão
por fora dessas discussões e apedrejadas como cachorros mortos
sempre que emerjam com inteligência e ousadia. Aliás, a dúvida
será chutada com desculpas para
baixo do tapete; a contradição,
abatida com a decisão dos cassetetes, e o futuro fulgurante se espelhará no presente insignificante.
Os ministros, arrivistas e banqueiros atingidos pelos dejetos
dos ventiladores públicos em que
se arejam, serão aconselhados a
manterem-se no ar viciado e recondicionado de mandatos ultrapassados, pisando no bolso dos
salários e na esperança dos otários.
Esse antiprojeto foi forjado por
fora, nas coxas dos advogados da
hora, ilustrados na tradição de
nossa história de democracia,
violência e mais-valia, para que
penetre fundo os corações, mentes
e demais órgãos vitais dos cidadãos normais dessa Província.
Aliás, qualquer semelhança
com atos institucionais execráveis
e lamentáveis condutas terá sido
coincidência fortuita, estando este mesmo escrito sujeito às penas
descritas nessas idéias caducas de
leis ridículas, patéticas, proféticas
e malucas.
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