São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 2006

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Drew vê início e fim de Kennedy

"Crise", que mostra cenas de tensão na Casa Branca, sai em DVD; nos extras, o funeral do presidente

Em entrevista, documentarista americano conta que se divertiu ao filmar Bob Kennedy confuso ao tentar atender telefones


SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Robert Drew, 82, filmou o começo e o fim de John Fitzgerald Kennedy. Não, ele não estava ao lado da mãe do presidente dos EUA quando esta deu à luz, em 29 de maio de 1917. Tampouco seguiu a bala que pôs fim à sua vida, em 22 de novembro de 1963. Mas dois de seus documentários, "Primárias" (60) e "Crise" -ao lado do adendo "Rostos de Novembro", ambos de 1963-, mostram o nascimento e a morte de Kennedy como figura pública.
O primeiro, lançado em DVD há alguns meses, mostrava o pouco conhecido senador Kennedy durante a disputa das eleições primárias do Partido Democrata, em 1960. O segundo, que chega agora ao mercado, exibe uma crise doméstica enfrentada por ele e o irmão Bob, então ministro da Justiça, além de um curta sobre o funeral do presidente assassinado.
Se viram muito de JFK, as câmeras de Drew o decifraram pouco. Ainda assim, o cineasta promoveu uma revolução nos documentários com o que ficou conhecido por "cinema direto". O método baseava-se na filmagem, com câmeras pequenas e livres, de cenas públicas e bastidores, sem narração, e a valorização de detalhes (as luvas de Jackie Kennedy em "Primárias", os telefones da mesa de Bob, em "Crise", por exemplo). Não é preciso pensar muito para relacionar esse estilo com o usado por João Moreira Salles em "Entreatos" (2004).
Em entrevista à Folha, por telefone, Drew contou que tinha mostrado "Primárias" para Kennedy depois da eleição e este teria, então, perguntado: "E agora, o que você quer fazer?". Drew disse que gostaria de filmá-lo tendo que tomar uma decisão difícil. Kennedy aceitou. Mas a oportunidade demorou um pouco. Por quê? Drew conta uma passagem divertida: "Eu tinha combinado com Kennedy que avisaria quando surgisse uma crise que eu quisesse filmar. E, toda vez que chegava um momento assim, eu ligava para a Casa Branca. Só que o assessor sempre me dizia: "Como você pode pensar em filmar aqui no meio de uma crise como esta?'".
Quando, enfim, a comunicação foi possível, o caso em questão era o seguinte: George Wallace, governador do Alabama, estava tentando impedir que dois estudantes negros se matriculassem na universidade do Estado, desobedecendo uma decisão judicial.
Boa parte da "ação" de "Crise" trata de homens poderosos em paletós e com telefones pendurados ao ombro -Bob, principalmente. "Eu gostava daquela coisa dele com os telefones. Eram tantos sobre a mesa que Bob ficava confuso para descobrir qual estava tocando. Como não podia perder a seriedade, ficava muito engraçado."
A naturalidade com que os personagens se movem diante da câmera é tão impressionante que é impossível não pensar que a cena possa ter sido armada. Drew conta que testes foram feitos por alguns dias no salão Oval da Casa Branca, até que Kennedy demonstrasse ter esquecido a presença da equipe de filmagem. "Só uma vez ele se incomodou. Quando, de repente, surgiu o assunto da crise com Cuba e ele se deu conta de que não podia tratar de um tema delicado como aquele na minha frente. Então, sorriu para mim, e eu caí fora."

Rostos
O curta "Rostos de Novembro" começa com tiros de canhão e as imagens de um dia cinzento e frio. Kennedy está morto. Diante das lentes de Drew, rostos de homens e mulheres (mais mulheres do que homens) passam segurando o choro, ou soltando lágrimas furtivas. Jackie, véu sobre o rosto, tampouco deixa entrever emoções. "Todos sentiam muito, eu sentia muito, mas tentavam não mostrar. Se eu tivesse de definir "Rostos de Novembro", diria que é um filme sobre o controle das emoções."


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