São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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Garota papo firme

Atriz Cláudia Abreu vive libertária dos anos 60 no longa "Os Desafinados", que estréia nesta sexta, estuda obra de Nietzsche em curso de filosofia e volta à TV

Roberto Price/Folha Imagem
Cláudia Abreu, no Rio; atriz entrou em longa após saída de francesa


SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Quando soube que o cineasta Walter Lima Jr. faria um filme ambientado nos anos 60 -da bossa nova, do feminismo e da ditadura militar-, a atriz Cláudia Abreu quis estar nele. Mas não disse. Por "pudor", explica.
O papel da cantora Glória Goldfaber, protagonista feminina da trama de "Os Desafinados" e símbolo da mulher emancipada que faz Cláudia sentir "intimidade com aquela época" e achar "sempre muito rico voltar aos anos 60", já tinha dona -e não era ela.
Às vésperas das filmagens, no entanto, o diretor decidiu substituir a atriz e cantora francesa Clara Bellar, que estava escalada para o papel. Julgou-a magra demais. Cláudia Abreu tornou-se a estrela do filme, que será lançado nos cinemas na sexta.
"Cláudia é uma atriz de muitos recursos, excepcional. Em geral, os atores que trabalham freqüentemente para a TV ficam travados, por força da repetição do melodrama. No caso dela, não. Nunca sei até onde ela pode ir", afirma Lima Jr.

Dora, a fútil
Na TV, Cláudia volta ao melodrama -com as típicas tintas cômicas da faixa das 19h da Globo- a partir do mês que vem. Ela será uma das "Três Irmãs" na novela de Antonio Calmon (leia texto à direita).
Fútil e consumista, Dora, sua personagem na novela, é a antítese da Glória de "Os Desafinados", personagem de ficção inspirada em mulheres reais que Lima Jr. conheceu nos anos 60.
Glória é uma brasileira que vive sozinha em Nova York, onde encontra Os Desafinados, quarteto de jovens músicos que tocam bossa nova.
Ela se apaixona pelo pianista Joaquim (Rodrigo Santoro) e hospeda o grupo em sua casa. Quando descobre que Joaquim tem no Brasil uma mulher (Alessandra Negrini) e uma filha a caminho, Glória reage de acordo com o espírito da época -"corajoso e libertário", na definição de Cláudia.
A cena envolve um banho de espumas, uma nudez desenvolta, um golpe no ego de Joaquim e uma brecha para a sedução dos demais Desafinados.
"Nesse filme, Cláudia está no ápice de sua beleza", disse o ator Ângelo Paes Leme, ao receber, em nome dela, o troféu de melhor atriz no 1º Festival Paulínia de Cinema, no mês passado. Paes Leme, que vive o "desafinado" Davi, foi premiado como melhor coadjuvante.

Nem magra nem gorda
Com pudor (de novo ele) de auto-elogiar-se, Cláudia evita referendar o comentário. Mas diz que se sente "melhor hoje do que há 15 ou 20 anos". Acha que seu rosto ficou "mais anguloso" sem as bochechas da adolescência, e seu corpo, "mais simétrico", num padrão "nem tão magra nem rechonchuda".
Os 37 anos de idade também lhe trouxeram "o prazer de ter, ao mesmo tempo, alguma experiência e juventude ainda" e a convicção de que "o difícil é se manter interessante e interessado, curioso com a vida".
Em nome desse duplo objetivo, já experiente como atriz, Cláudia decidiu estudar filosofia, na PUC-RJ. "Na época do vestibular, eu já trabalhava e ganhava dinheiro", diz a ex-aluna do teatro Tablado.
Alternando trabalhos no teatro, no cinema e na TV, a carreira de atriz progredia bem, mas Cláudia "sentia que podia ir mais longe" e foi buscar "estofo intelectual" na universidade.
Descobriu no alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) seu filósofo favorito, capaz "dos questionamentos mais sinceros", e elegeu a obra nietzschiana "O Nascimento da Tragédia" como tema da monografia que prepara atualmente, para a conclusão do curso.

Veto ao canto
Em relação à sua atuação em "Os Desafinados", Cláudia também sente que poderia ter ido mais longe. "Fiz o que pude. Poderia ter feito mais", diz.
Ela gostaria de ter usado a própria voz nas cenas em que Glória canta no filme. Mas foi dublada por Branca Lima, filha do diretor, que registrou todas as músicas antes das filmagens.
Cláudia diz que insistiu com Lima Jr. que poderia se preparar e dublar a si mesma para a versão final do filme. "Ele disse que tinha medo que eu me desgastasse para fazer algo que talvez ele não fosse usar. Mas eu preferiria tentar. Como atriz, tenho certeza de que eu iria até o fim do mundo para cantar bem nesse filme. Mas tenho que respeitar o fato de que o filme é do diretor", afirma.
Lima Jr. disse à Folha que levou em conta, na decisão, o fato de que "Cláudia essencialmente não é cantora; teria que estudar canto" para poder dublar a si mesma no filme. Mas isso não seria boa solução, na opinião do diretor. "Eu não conseguiria o equilíbrio da minha exigência de uma cantora nem daria a ela o conforto de estar fazendo o canto segundo sua própria inspiração", afirma.
Cláudia acha "uma pena", mas se resigna: "Branca realmente canta muito bem. Entendo essa opção dele de ter preferido não arriscar. Em cinema, o ator tem o controle até certo ponto".
Para voltar a representar com regularidade no teatro, "onde o ator assina a arte-final, ao vivo", Cláudia planeja montar um grupo. Tem discutido a idéia com o amigo Pedro Cardoso, com quem contracena no longa inédito "Todo Mundo Tem Problemas Sexuais", de Domingos Oliveira.
Embora se incomode com o rótulo de "atriz global", que julga "reducionista", Cláudia nunca teve dilemas em relação ao trabalho na TV, nem quando foi "patrulhada" por ex-colegas do Tablado. "Não existe isso de vender a alma ao diabo. Se até Fernanda Montenegro faz TV, é inegável que é importante."


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