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Bilhetes retratam era turbulenta
Despachos de 1951 mostram preocupação com custo de vida; novos manuscritos podem registrar governo até 1954
Pesquisadores pedem cautela em relação a novas descobertas; para jornalista, anotações antecipam comunicação janista
DO ENVIADO A FLORIANÓPOLIS
O segundo governo Vargas
(1951-54) foi um período turbulento na vida política brasileira, lançou as bases para o desenvolvimentismo que virou
marca registrada de JK e culminou com o suicídio dramático do pai do getulismo.
A fundação da Petrobras (em
53), a luta pela criação da Eletrobrás, a crise com a imprensa
e a pressão dos EUA para o envio de tropas brasileiras à Guerra da Coreia ocuparam o cotidiano de Getúlio Vargas e podem ser acompanhadas pelos
bilhetes que escrevia diariamente ao chefe da Casa Civil, o
polêmico Lourival Fontes, ex-chefe do Departamento de Imprensa e Propaganda.
É esse rico manancial que
agora começa a ser revelado,
com a descoberta dos manuscritos de Getúlio escritos entre
1951 e 1954. A existência desses
documentos era conhecida
desde 1966, quando o jornalista
Glauco Carneiro, da extinta "O
Cruzeiro", fez uma longa entrevista com Fontes -então em
busca da reabilitação de sua
imagem. A revista publicou o
conteúdo de vários deles.
Mas a verdadeira dimensão
desse acervo, que teve destino
incógnito com a morte de Fontes, em 1967, ainda é desconhecida. Hoje, Carneiro, 70, lembra que o ex-chefe da Casa Civil
mostrou vários bilhetes para
ilustrar os depoimentos. "Ele
morava sozinho em Copacabana. Havia uma pilha de pastas.
Nunca levei um documento para a Redação ou para casa, o fotógrafo registrava os que eu selecionava para a reportagem."
Sigilo por 40 anos
Os documentos foram agora
achados pelo psiquiatra Francisco Baptista Neto, 64, ex-oficial de gabinete da Casa Civil do
governo Castelo Branco, que
mora em Florianópolis. Estavam em Brasília com seu pai, o
ex-governador sergipano Lourival Baptista. Seu xará Lourival Fontes havia pedido que os
guardasse por 40 anos -para
preservar a imagem de Getúlio,
acredita Baptista Neto.
A primeira caixa do acervo
tem 494 bilhetes, que são de
1951. São despachos administrativos, pedidos de providências junto a autoridades e ministérios, há um pedido de auxílio a um apadrinhado, ordens
de demissão. As orientações e
um esboço de discurso citam
em vários momentos imagens
getulistas conhecidas, como
seu papel de protetor do trabalhador e promotor do desenvolvimento. Também há preocupação com o custo de vida.
Lourival Baptista, 94, vive
em Brasília e está com a saúde
debilitada. Entre seus pertences foi encontrada recentemente outra caixa. Pode conter
documentos que avançam até
1954. Segundo a reportagem de
"O Cruzeiro", os bilhetes vão
até as vésperas do suicídio de
Vargas -o último trataria de
despachos corriqueiros.
O pesquisador Francisco
Reynaldo Barros, especialista
no período getulista, diz que
"não se sabia que havia essa
quantidade de bilhetes". "Estamos muito curiosos", afirmou.
O jornalista José Augusto Ribeiro, que colaborou na matéria de 66, diz que a visão de Getúlio na época era "perturbada
pela paixão" e que os bilhetes
mostram a "natureza administrativa" da era Vargas. Também
ressalta que os manuscritos,
em alguma medida, antecipam
os famosos bilhetes de Janio
Quadros. Ainda que Getúlio
não tivesse pensado seus bilhetes como instrumento de propaganda. Eram reservados.
O historiador Marco Antonio
Villa, professor de história na
Universidade Federal de São
Carlos (SP), diz que os documentos são muito importantes
e refletem um momento chave,
que antecipou o governo JK e
marcou uma transformação
importante no país, como a
criação da Petrobras.
O historiador Boris Fausto,
autor de "A Revolução de 30",
alerta que os documentos podem não modificar a compreensão da era Vargas. "Havia
muita expectativa quando os
diários de Getúlio foram descobertos, nos anos 90, mas não
trouxeram grandes novidades."
Regina da Luz Moreira, pesquisadora do CPDOC-FGV,
trabalhou nos diários e também pede cautela. Diz que os
bilhetes podem "levantar lebres ou consolidar versões, ajudar a confrontar eventos, mas
não trazer informações novas".
A diretora de difusão artística da Fundação Catarinense de
Cultura, Mary Elizabeth Benedet Garcia, e o jornalista Toninho Vaz ajudaram Baptista Neto a avaliar os documentos e
planejam a edição de um livro
que contará a história dos bilhetes.
(MARCOS STRECKER)
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