São Paulo, sexta-feira, 24 de setembro de 2004

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FESTIVAL DO RIO

"Má Educação", novo filme do cineasta espanhol, será exibido ao público pela primeira vez no evento hoje

Noir, Almodóvar filma relações masculinas

Divulgação
Cena de "Má Educação", mais recente filme de Pedro Almodóvar, que terá hoje sua primeira exibição dentro do Festival do Rio


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Com pessoas sentadas no chão da sala e dezenas de estudantes barrados por falta de lugar, a sessão de imprensa de "Má Educação", realizada quarta-feira, já foi um termômetro: o novo filme de Pedro Almodóvar é o mais disputado do Festival do Rio.
Hoje, às 19h30, no Cine Odeon BR, acontece a primeira das cinco exibições na mostra. Os ingressos vendidos antecipadamente se esgotaram. Sobraram apenas os 20% reservados para os dias das sessões. O filme entra em circuito comercial em novembro.
Lançado internacionalmente em maio, na abertura do Festival de Cannes, "Má Educação" se passa em três momentos: 1964, 1977 e 1980. Os dois últimos são desdobramentos do primeiro, cujo cenário é uma escola católica espanhola.
O menino Ignácio é alvo do desejo obsessivo de padre Manolo, professor de literatura e diretor da escola. Por ciúme, ele expulsa Enrique, colega e paixão de Ignácio, que depois passa a cultivar uma vontade de se vingar que vai tentar consumar muitos anos mais tarde.
São especialmente angustiantes as duas cenas em que Ignácio é obrigado a cantar para padre Manolo. É depois de cantar uma versão espanhola do clássico americano "Moon River" que o menino é molestado pela primeira vez.
As ações de 77 e 80 são movidas pelo aparente reencontro de Enrique (Fele Martínez) e Ignácio (o mexicano Gael García Bernal, de "Diários de Motocicleta"). Aparente porque Almodóvar, repisando uma marca de seus filmes, abre vários fundos falsos ao longo da trama, provocando surpresas.
Ele volta, também, a explorar ambigüidades, com personagens que se fazem passar por outros. Bernal interpreta três papéis ao longo da história.
Ainda há um filme acontecendo dentro do filme. Enrique se torna um cineasta famoso e se interessa por filmar "A Visita", relato de Ignácio sobre o que aconteceu na infância de ambos. Durante as filmagens, ressurge padre Manolo para contar a Enrique fatos que ele desconhecia, coroando o clima noir que perpassa toda a história. Almodóvar se diz fã dos filmes noir americanos e considera "Má Educação" uma homenagem a "Pacto de Sangue" (1944), de Billy Wilder.
Apesar de o personagem ser cineasta e Almodóvar ter estudado numa escola católica, ele nega que o filme tenha muitos componentes autobiográficos.

Humor e sexo
Mas é um filme auto-referente, como de hábito. Numa das cenas passadas na capela de escola, o diretor cita a entrada de Carmen Maura na igreja em "A Lei do Desejo". Os personagens travestidos remetem a "Tudo sobre Minha Mãe" e "De Salto Alto", entre outros de seus 15 filmes.
Seguindo a linha de seus últimos trabalhos, o humor aparece apenas em algumas frases cortantes. Não é rasgado como nos tempos de "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos". Até para reverenciar o cinema noir, o clima é ainda mais lúgubre do que "Fale com Ela", seu filme anterior.
Já o sexo é farto, sempre entre homens. Almodóvar usa até de câmara lenta para filmar a nudez de Bernal e Martínez numa piscina. Praticamente não há mulheres no filme.
Se for indicado novamente ao Oscar, Almodóvar poderá levar sua terceira estatueta: ele já ganhou por "Tudo sobre Minha Mãe" (melhor filme em língua estrangeira) e "Fale com Ela" (melhor roteiro).


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