São Paulo, sexta-feira, 24 de setembro de 2004

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NOVOS

Selecionados brasileiros contrariam intenção do curador ao privilegiar trabalhos sobre o poder

Jovens relêem política

Esqueça o ativismo dos anos 60. Obras colocam em xeque a arquitetura modernista, a representação e atos do cotidiano

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Para uma Bienal que busca afastar a política do campo da arte, os trabalhos da geração mais jovem de artistas brasileiros selecionados para a mostra parecem contradizer a proposta do curador, o alemão Alfons Hug, que buscou valorizar a formalização e a apreciação estética da obra de arte.
Thiago Bortolozzo, 28, o mais jovem dos escolhidos, apresenta um forte viés político em sua instalação "Vital Brasil", uma estrutura em madeira no primeiro andar do pavilhão da Bienal, que sai do prédio e chega ao parque Ibirapuera: "Essa obra busca desestabilizar a arquitetura na qual ele se insere, com materiais populares, de construção simples e realizada em esquema de mutirão", conta.
"Quero mostrar como o trabalhador pode fazer uma intervenção no espaço, alterando até mesmo seus fluxos de circulação." O questionamento da arquitetura moderna é outro elemento da obra: "Vital Brasil era um arquiteto moderno, parte de um projeto, como o próprio prédio da Bienal, do [Oscar] Niemeyer, que faliu", afirma.
Por temática política, entenda-se aqui, não se fala do panfletarismo dos anos 60, mas de uma maneira de observação sobre as micro-estruturas do poder. É o caso, por exemplo, de Fabiano Marques, outro dos mais jovens da seleção de 16 brasileiros na mostra temática "Território Livre". Em sua instalação "Mar Pequeno", Marques apresenta um vídeo, no qual é o protagonista e, em alto-mar, tenta ajuntar, várias vezes seguidas, pedaços de madeira que flutuam na água. O ambiente reúne ainda os próprios elementos apresentados no vídeo.
"Minha intenção é mostrar que a arte pode contribuir para a formação de atitudes, de participação política. O procedimento de arranjo, de "assemblage" [montagem], é básico para a aprendizagem, possível a qualquer um, não é uma técnica", afirma Marques.
Como comentário às suas participações na Bienal, Marques e Bortolozzo apresentam ainda uma instalação, realizada em parceria, no Centro Cultural São Paulo, na qual usam seis carrinhos de bate-bate. "Nosso objetivo é pensar como a arte está se aproximando de entretenimento e qual a diferença em ver uma exposição de arte ou fazer um passeio no shopping, queremos trazer essa postura diferente de olhar. Ao mesmo tempo, é importante criar o trabalho em conjunto, para discutir o que é expor nessa época de euforia com tantas exposições e vinculá-las ao que ocorre na Bienal", diz Marques.
Uma visão crítica da sociedade também está presente na obra da dupla Angela Detânico, 29, e Rafael Lain, 31, também estreantes na Bienal. Eles apresentam quatro imagens denominadas "O Mundo (Justificado, Alinhado à Esquerda, Centralizado, Alinhado à Direita)", em que cada imagem apresenta o mapa do mundo segundo o comando de um processador de texto para marcar a forma de exibição na tela do computador.
"Não é uma arte ativista, mas ela passa pela política. Mostramos como as representações do mundo direcionam os conceitos que se criam dele. Hoje, é da tela do computador que muitas decisões são tomadas, como nas Bolsas de Valores. Por isso apresentamos várias configurações possíveis que geram atitude", afirma Detânico.
Mais literal é a proposta da carioca Rosana Palazyan, 40, conhecida por abordar a violência em seus trabalhos. Ela expõe um realejo que, em vez dos ditados usualmente sorteados pelos periquitos, traz mensagens coletadas com moradores de rua do centro de São Paulo.
A política também é inerente ao trabalho do paulistano Paulo Climachauska, 42, na 26ª Bienal. Sua obra é uma imagem do prédio da própria Bienal, de Oscar Niemeyer, desenhada na parede por meio de contas de subtração. "A idéia da subtração tem dois comentários, um que faz uma ironia às estratégias construtivas da arte brasileira e outro que faz uma crítica a essa tradição, já que ela esteve presa a um tempo histórico, o Brasil dos anos 50 e 60, quando o país tinha um projeto, o que torna minha obra política. Além do mais, vivemos num sistema capitalista, que valoriza a soma, o acúmulo, e eu procuro inverter esse sistema, mostrar que ele se constrói mesmo é pela subtração", explica Climachauska.
No território livre da Bienal, as obras dos brasileiros apontam que a ação artística não está desvinculada da política.


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