|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS
ENSAIOS
O crítico literário norte-americano lança "Onde Encontrar a Sabedoria?'
"Estamos nos tornando uma teocracia", diz Harold Bloom
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Com uma voz fatigada e melodiosa, que busca angariar afeição;
expressando arrependimento por
nunca ter visitado o Brasil e alegando que agora, aos 75 anos, a
viagem seria muito difícil, se não
impossível: é assim que o crítico
Harold Bloom atende ao telefonema da Folha, em sua casa de New
Haven, Connecticut.
Mas que o leitor não se engane.
O americano tranqüilo é um crítico furioso, que lança farpas contra o que ele chama de "fascismo
de direita e de esquerda" nos
EUA. Parte dos ataques está no recém-lançado "Onde Encontrar a
Sabedoria?" (Objetiva, tradução
de José Roberto O'Shea, 320 págs.,
R$ 44,90), conjunto de ensaios
que procura retomar o debate sobre a suposta incompatibilidade
entre filosofia e literatura. E a polêmica deve continuar com o lançamento por lá de sua mais nova
prova de erudição: "Jesus and
Yahweh", que sugere que os últimos 2.000 anos de religião ocidental estiveram baseados numa
impostura. Segurem os cintos.
Folha - Poderia explicar o que significa a "Era do Ressentimento"?
Harold Bloom - No mundo de
língua inglesa, desde o final da década de 1960, os estudos literários
ficaram mais politizados. O que
ocorre nas universidades, hoje, é
que as obras são escolhidas não
porque são esteticamente poderosas ou porque são sábias. O intelecto, a sabedoria e a beleza são
substituídos por considerações
sobre a orientação sexual, pigmentação da pele, etnicidade etc.
Folha - Em seu livro, o senhor afirma que a oligarquia e a plutocracia
ocuparam o lugar da democracia
nos EUA.
Bloom - Também estamos nos
tornando uma teocracia. O que
acho muito ruim nos EUA de hoje
é o fato de termos um fascismo de
direita e um de esquerda. Temos o
fascismo da contracultura que se
tornou a cultura oficial e que insiste em fazer seus julgamentos
com base no que ela chama de
pós-colonialismo. Por outro lado,
temos um regime belicoso que
devasta o Iraque, explora os cidadãos pobres, especialmente os negros. Segundo disse pouco antes
de ser assassinado, em 1935, o governador da Louisiana, Huey
Long: "Claro que teremos fascismo na América, mas nós o denominaremos democracia".
Folha - O senhor é religioso?
Bloom - Creio que sou, mas de
um modo herético. Venho meditando bastante a esse respeito,
pois há um livro meu que vai me
causar problemas quando for lançado, em duas semanas. Chama-se "Jesus and Yahweh: The Names
Divine" (Jesus e Jeová: os nomes
adivinham). Em essência, o livro
defende que não há relação entre
o mais ou menos histórico Jesus
de Nazaré, o deus grego holístico
dos mistérios, o teológico Jesus
Cristo e o demasiado humano
Deus hebraico Jeová. Isso significa que os últimos 2.000 anos de
religião ocidental são uma farsa,
sobretudo nos EUA.
Folha - Por que afirma que o livro
de Freud, "O Mal-Estar na Civilização", pode estar ultrapassado?
Bloom - Não está ultrapassado
como análise de nossos papéis como seres humanos, mas parece
fora do contexto social, embebido
que estava na cultura de Goethe.
A idéia de crescimento individual,
de moldar o caráter e o intelecto
por meio da educação, acho que
isso acabou. O que a "Bildung"
significa hoje nos EUA, que elegeu um... chamá-lo semi-analfabeto seria um elogio, pois não
creio que ele tenha lido um só livro em toda a vida? Estamos na
Idade da Tela. As pessoas não
lêem de modo profundo e sério.
Com isso, não se raciocina bem,
pois o pensamento depende da
memória e o que iremos lembrar
se não lembrarmos o melhor do
que foi escrito? Parece que estamos resvalando para o barbarismo, e esse fenômeno é universal.
Texto Anterior: Fanzine, bandas e até TV usam rótulo Próximo Texto: Vitrine Brasileira Índice
|