São Paulo, sábado, 24 de setembro de 2005

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O crítico literário norte-americano lança "Onde Encontrar a Sabedoria?'

"Estamos nos tornando uma teocracia", diz Harold Bloom

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Com uma voz fatigada e melodiosa, que busca angariar afeição; expressando arrependimento por nunca ter visitado o Brasil e alegando que agora, aos 75 anos, a viagem seria muito difícil, se não impossível: é assim que o crítico Harold Bloom atende ao telefonema da Folha, em sua casa de New Haven, Connecticut.
Mas que o leitor não se engane. O americano tranqüilo é um crítico furioso, que lança farpas contra o que ele chama de "fascismo de direita e de esquerda" nos EUA. Parte dos ataques está no recém-lançado "Onde Encontrar a Sabedoria?" (Objetiva, tradução de José Roberto O'Shea, 320 págs., R$ 44,90), conjunto de ensaios que procura retomar o debate sobre a suposta incompatibilidade entre filosofia e literatura. E a polêmica deve continuar com o lançamento por lá de sua mais nova prova de erudição: "Jesus and Yahweh", que sugere que os últimos 2.000 anos de religião ocidental estiveram baseados numa impostura. Segurem os cintos.

 

Folha - Poderia explicar o que significa a "Era do Ressentimento"?
Harold Bloom -
No mundo de língua inglesa, desde o final da década de 1960, os estudos literários ficaram mais politizados. O que ocorre nas universidades, hoje, é que as obras são escolhidas não porque são esteticamente poderosas ou porque são sábias. O intelecto, a sabedoria e a beleza são substituídos por considerações sobre a orientação sexual, pigmentação da pele, etnicidade etc.

Folha - Em seu livro, o senhor afirma que a oligarquia e a plutocracia ocuparam o lugar da democracia nos EUA.
Bloom -
Também estamos nos tornando uma teocracia. O que acho muito ruim nos EUA de hoje é o fato de termos um fascismo de direita e um de esquerda. Temos o fascismo da contracultura que se tornou a cultura oficial e que insiste em fazer seus julgamentos com base no que ela chama de pós-colonialismo. Por outro lado, temos um regime belicoso que devasta o Iraque, explora os cidadãos pobres, especialmente os negros. Segundo disse pouco antes de ser assassinado, em 1935, o governador da Louisiana, Huey Long: "Claro que teremos fascismo na América, mas nós o denominaremos democracia".

Folha - O senhor é religioso?
Bloom -
Creio que sou, mas de um modo herético. Venho meditando bastante a esse respeito, pois há um livro meu que vai me causar problemas quando for lançado, em duas semanas. Chama-se "Jesus and Yahweh: The Names Divine" (Jesus e Jeová: os nomes adivinham). Em essência, o livro defende que não há relação entre o mais ou menos histórico Jesus de Nazaré, o deus grego holístico dos mistérios, o teológico Jesus Cristo e o demasiado humano Deus hebraico Jeová. Isso significa que os últimos 2.000 anos de religião ocidental são uma farsa, sobretudo nos EUA.

Folha - Por que afirma que o livro de Freud, "O Mal-Estar na Civilização", pode estar ultrapassado?
Bloom -
Não está ultrapassado como análise de nossos papéis como seres humanos, mas parece fora do contexto social, embebido que estava na cultura de Goethe. A idéia de crescimento individual, de moldar o caráter e o intelecto por meio da educação, acho que isso acabou. O que a "Bildung" significa hoje nos EUA, que elegeu um... chamá-lo semi-analfabeto seria um elogio, pois não creio que ele tenha lido um só livro em toda a vida? Estamos na Idade da Tela. As pessoas não lêem de modo profundo e sério. Com isso, não se raciocina bem, pois o pensamento depende da memória e o que iremos lembrar se não lembrarmos o melhor do que foi escrito? Parece que estamos resvalando para o barbarismo, e esse fenômeno é universal.


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