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FERREIRA GULLAR
No horário eleitoral gratuito
A lei da própria natureza permite que os mais espertos sobrevivam, e os incapazes pereçam
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AMIGÃO, VOCÊ deve me conhecer de nome. Eu me chamo
Pedro Mensala, fui eleito deputado federal em 2002, mas renunciei para não ter meu mandato cassado e não poder me candidatar de
novo. Por que queriam cassar meu
mandato? Você deve estar sabendo,
foi essa coisa de mensalão que inventaram para me perseguir só porque sempre trabalhei pelo povo pobre, primeiro como vereador, depois
como deputado estadual e finalmente como deputado federal.
Apoiado por meus antigos companheiros de sindicato, batalhei por
minha categoria, provocando o ódio
dos patrões. Foi assim que ganhei a
confiança dos companheiros e comecei uma carreira política vitoriosa. Mas, ano passado, a direita reacionária inventou essa calúnia chamada de mensalão, e fui denunciado numa CPI. Pura palhaçada. Não há
provas de que eu tenha recebido dinheiro para votar com o governo.
Mentira, mentira, mentira! O governo não precisaria me comprar porque pertenço à sua base de apoio.
É verdade que fui eleito por um
partido de oposição, mas, assim que
o novo presidente tomou posse, mudei de legenda, deixei a oposição para apoiar o governo, pois, realista
que sou, ou melhor, idealista que
sou, queria dar meu apoio a um presidente igualmente idealista e que,
como eu, sempre batalhou pelos pobres. Se recebi dinheiro, foi grana
não contabilizada para pagar despesas de campanha eleitoral.
Quanto você pensa que custa uma
campanha para deputado federal,
amizade? Não, não tenho vergonha
de dizer que me elegi com grana do
caixa dois, porque isso todo mundo
faz sistematicamente, e não vou
bancar o babaca, dar uma de honesto e perder as eleições. Agora ficam
esses hipócritas falando de ética. De
que serve a ética? Com perdão da
palavra, limpo a bunda com ela. Político não pode ter ética, tem que meter a mão na merda mesmo, se quiser se eleger. Estou ou não com a razão? Olhe, muitos intelectuais pensam exatamente como eu.
Os falsos moralistas inventaram
que eu tinha mandado minha mulher ao banco pegar a grana do mensalão. Veja você, mulher de deputado não pode mais ir a banco que é
para receber mensalão! Ela foi lá retirar o dinheiro que a tia dela mandou para comprar uma máquina fotográfica digital, que lá em Cajapió
não tem. A coitada retirou os 50 mil
reais que a tia mandou e inventaram
que era dinheiro de suborno! Mentira, mentira, mentira!
Depois disso, não contentes, inventaram outra calúnia, afirmando
que havia comprado uma fazenda
por R$ 1 milhão, perto de Cajapió,
quando quem de fato comprou essa
fazenda foi meu irmão, com um dinheiro que ganhou na loto. Como se
vê, demonstro que sou um homem
honesto, que nunca me meti em falcatruas, conforme sabe o povo, que,
por isso, sempre me honrou com
seus votos. O fato é que tanto fizeram, forjaram provas e testemunhos, denúncias vazias e invencionices, que os membros da CPI terminaram acreditando e me relacionaram entre os corruptos. Aliás,o relator da CPI, que faz carga contra mim em seu relatório, embora sendo do
meu partido, não vai com minha cara porque sou um homem de origem
humilde, um simples bancário que
se tornou parlamentar graças à sua
dedicação à causa pública.
Fiquei na seguinte situação: ou
perdia os direitos políticos por oito
anos, ou renunciaria para poder me
candidatar de novo. Foi o que fiz, de
modo que aqui estou, com a graça de
Deus, candidatíssimo e contando
com o seu voto independente, consciente, de pessoa que não se deixa levar pelo que diz a imprensa e os detratores de honra alheia.
Nem bem minha candidatura foi
anunciada, já meus inimigos passaram a acusar o meu partido de permitir a candidatura de um corrupto.
O mesmo disseram de outros candidatos que, como eu, dentro da lei, renunciaram para escapar da cassação. Pergunto: quem gostaria de
perder seus direitos políticos?! Não
é a lei que permite renunciar para
não ser cassado? Alegam que essa lei
é uma imoralidade e que foi feita pelos deputados para se livrarem da
punição. Estou me lixando. Se a lei
me beneficia, bobo seria eu se não
me valesse dela. A lei da própria natureza permite que os mais espertos
sobrevivam, e os incapazes pereçam. Não sei de que me acusam, se
apenas obedeço à natureza!
Esquecem que a moralidade é relativa e que se deve separar o joio do
trigo. Se um sujeito desrespeita a lei,
visando usar o mandato em interesse próprio, isso é imoral; mas, se faz
com o propósito de trabalhar pelo
bem comum, é ético, não merece ser
punido, pois, como se sabe, os fins
nobres justificam os meios ignóbeis.
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