São Paulo, segunda-feira, 24 de setembro de 2007

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GUILHERME WISNIK

Operações compositivas


O que significa "redescobrir" Niemeyer a essa altura do campeonato, como se fosse pinçado de um catálogo?

FOI LANÇADO recentemente o livro "Biselli e Katchborian" (Romano Guerra, 128 págs., R$ 52), o segundo volume da coleção "Arquiteto Brasileiro Contemporâneo". Contendo fotos de Nelson Kon e texto de Alessandro Castroviejo, o livro apresenta a produção da dupla que tem se destacado em concursos nacionais recentes, obtendo o primeiro prêmio nas competições de projeto para a estação São Cristóvão da Supervia (2000), o aeroporto de Florianópolis (2004), a sede da Fapergs (2004), o Teatro de Natal (2005) e o Centro Judiciário de Curitiba (2005).
Formados na Universidade Mackenzie em meados dos anos 80, Mario Biselli e Artur Katchborian iniciaram a carreira ligados à moda pós-moderna, que abandonariam logo, segundo Castroviejo, "em favor de outras referências mais abstratas e geométricas". A colocação é inequívoca: a dupla opera a partir de referências, "pinçando" elementos aqui e ali nas obras de arquitetos como Frank Lloyd Wright, Renzo Piano, Rem Koolhaas ou o grupo Morphosis. Nesse sentido, continuam essencialmente pós-modernos, agenciando "estilos" em operações compositivas. Tal agenciamento é, sem dúvida, habilidoso. O que faz com que sua obra se destaque do padrão médio, alçando-se muito acima, em termos de qualidade, da arquitetura corporativa que se faz hoje em São Paulo. Digo isso porque o porte dos projetos recentes do escritório os credencia a ocupar esse mercado.
Contudo, nota-se também uma clara ambição autoral em sua produção, sobretudo naquela de maior escala, afirmando-se através de uma gestualidade plástica invocada como um processo de "redescoberta formal de Oscar Niemeyer". Ora, mas o que significa "redescobrir" Niemeyer a essa altura do campeonato, como que pinçado num catálogo de referências? Os arquitetos, ao que parece, assumem com naturalidade os princípios compositivos como ferramenta principal de projeto, bem como o uso de determinados materiais como marca, assinatura. Fica, no entanto, a pergunta: o que os afastaria do mero estilismo? Nem toda arquitetura solicita um enorme esforço de justificação teórica. A maioria, aliás, não. É produção corrente, de maior ou menor qualidade.
Vistos em perspectivas eletrônicas, muitos projetos são sedutores, apresentando volumes vestidos por peles de vidro e chapas metálicas, segundo calculados jogos de luz e sombra. Quase todos são pensados a partir de um uso extensivo da estrutura metálica, o que lhes dá grande leveza. Leveza que não se faz igualmente presente nas obras construídas, pois a passagem da arquitetura do gesto, pensada originalmente a partir do concreto armado, para a construção metálica, ao menos no Brasil, não é tão natural. Muitas vezes, o que é um traço simples no papel, na prática pode acabar virando uma parafernália de perfis, barras e cabos superdimensionados. É que o metal exige uma execução impecável, que envolve certa contradição em relação à substantiva margem de indeterminação ainda presente na nossa construção civil, e suposta nesse tipo de desenho.


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