São Paulo, quarta-feira, 24 de outubro de 2001

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MÚSICA

"Tutano" é o primeiro álbum do artista paulistano desde 1982 e tem participações de Arnaldo Antunes e Anvil FX

Walter Franco volta ao disco após 19 anos

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Cantor e compositor revelado em festival, o paulistano Walter Franco, 56, ainda acompanha a sazonalizade dos festivais. Seu novo disco, "Tutano", chega um ano após a participação no Festival da Música Brasileira da Globo, e é o primeiro que ele lança em 19 anos.
Antes, "Walter Franco" (82) viera a reboque da participação de "Serra do Luar" no festival MPB Shell 81, também da Globo. E são íntimas as relações entre as canções "Canalha" (79), "Muito Tudo" (75) e "Cabeça" (73) com, respectivamente, os álbuns "Vela Aberta" (80), "Revolver" (75) e "Ou Não" (73, o de estréia).
Franco reflete sobre tais relações: "Não atribuo o novo disco ao festival, porque as negociações com (a gravadora independente) YB Music já estavam evoluídas quando resolvemos participar".
Relativiza a afirmação: "Mas acredito que tenha sido importante também. Eu precisava um pouco daquilo, de não viver só do passado, não ser só aquele que fez. "Zen" é parte daquilo que estou fazendo agora. Assim posso dizer que estou prosseguindo viagem".
Artista de pop e MPB forrados de experimentalismo e muitas vezes tido como "maldito", Franco pode passar a impressão de que a lógica competitiva do mercado e o estigma da "maldição" foram turvando sua carreira musical -um raciocínio que já parte do ponto de vista comercial.
"Nem mesmo enquanto estava mais presente eu busquei essa fórmula de um disco por ano. Meu trabalho nunca foi promovido a partir de jogada de marketing, de promoção exacerbada. Sempre foi a médio e longo prazo", avalia.
Mas ele não deixa de admitir as dificuldades por que passou sua geração, educada nas cartilhas do concretismo e da tropicália: "Nos anos 70, havia um interesse maior pela linguagem da minha geração, que chegou a ser chamada de "a geração de briga". Até grandes gravadoras tiveram interesse, naquele período, pela nossa linguagem. O interesse não deixou de existir, mas se relativizou".
Demarcando que a constância em disco nunca foi um dos nortes de sua carreira excêntrica, não dissimula os sentimentos que a volta com "Tutano" lhe provoca: "Nem fale, nem fale. É o melhor momento de minha vida, porque é quando a gente deixa de separar a vida da obra. Minha felicidade é muito grande".
A obra e a vida hoje são, então, feitas das regravações de duas canções de festival ("Cabeça" e "Muito Tudo"), da apresentação da de "Zen" e de mais 11 músicas inéditas. Participam nomes como Arnaldo Antunes, João Parahyba (Trio Mocotó), Alberto Marsicano, Lívio Tragtenberg, Nuno Mindelis, os "eletrônicos" Anvil FX e Apollo 9 e outros. O produtor é Constant Papineau, ex-integrante do esquecido grupo roqueiro dos 70 O Peso.
Mantém-se a paixão por aliterações e por construções de natureza concretista, mas ele recusa a idéia de que essa seja hoje uma prática datada. "Tento fugir da fórmula, do clichê. Minha aproximação com a poesia concreta é abstrata, me sirvo até de ditos populares, como em "Quem Puxa aos Seus Não Degenera"."
Ícone da resistência ao regime militar pelo teor político que foi sendo atribuído às suas canções nos 70, ele diz que mudou, mas sem abandonar aquela veia. "É óbvio que hoje me sinto mais confortável comigo mesmo do que quando era mais jovem. Mas a sonoridade do disco briga um pouco com tudo isso que está acontecendo aí", afirma.
"Há uns mantras no CD, me disponho à simplicidade de não assumir uma atitude discursiva. Não queria fazer um discurso crítico, mas antigo", diz, exemplificando com os versos "quem tem tutano/ tutano tem/ quem não tem tutano/ tutano não tem".
Ele explica: "A conclusão vai depender de quem ouve, não estou ali dizendo que você deve ou não deve ter tutano. Acho que a força da poesia é deixar as pessoas pensarem com a própria cabeça. É minha única forma de reencontrar a delicadeza". A conclusão vai depender de quem ouvir.



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