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27ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SP
Dirigido por Sofia Coppola, "Encontros e Desencontros" focaliza os choques culturais de dois norte-americanos em Tóquio
Olhar estrangeiro guia comédia existencial
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Os críticos americanos
gostam de ressaltar quando
uma locação natural é bem utilizada em um filme. Mas o que querem dizer, quase sempre, é que a
locação foi devidamente conformada ao esquema narrativo clássico, em que os espaços se coordenam, são predeterminados e exercem funções específicas, servindo
ora para ilustrar uma situação,
ora para ambientar uma ação.
Inaugurado pelo encontro ítalo-americano do neo-realismo e
consagrado pela geração da nouvelle vague e do cinema-verdade,
o filme de encontro -gênero caro ao dito cinema moderno do
pós-guerra- subverte essa lógica, privilegiando o lugar em detrimento da narrativa e a improvisação em detrimento da roteirização. Seus espaços são indeterminados e não se coordenam entre
si. Adaptado à escola americana,
em que o roteiro e a narrativa são
prioritários, o gênero perde quase
sempre o seu sentido. Não é o que
acontece em "Encontros e Desencontros", que passa amanhã e dia
27 na Mostra de Cinema.
O filme de encontro que a diretora Sofia Coppola, filha de Francis Ford, foi realizar longe da
América equilibra a origem moderna do gênero com um pouco
da programática tradição americana, revelando-se uma bem-sucedida mistura de cenas roteirizadas e passagens (mais ou menos)
improvisadas, realizadas no calor
do momento, uma combinação
não conflitante entre o desejo de
explorar a locação, Tóquio, e a necessidade de contar uma história.
Em boa medida, Coppola usa o
encontro entre Bob Harris (Bill
Murray), um astro meio decadente, do tipo que já não se ilude na
vida, e o de Charlotte (Scarlett Johansson), uma jovem esposa negligenciada pelo marido fotógrafo, como um pretexto para deter
um olhar sobre Tóquio, sobre as
bizarrices e afetações de sua sociedade do espetáculo, as excentricidades de seu universo boêmio e
os valores perdidos da velha civilização japones. Deter talvez não
seja a melhor palavra: o olhar de
Coppola é um olhar de "flâneur",
inevitavelmente estrangeiro e
conscientemente superficial.
Harris, que está no Japão para
protagonizar um comercial de
uísque, possibilita à diretora explorar um pouco da comicidade
caricatural da mídia japonesa.
Apesar do distanciamento, ou
justamente por ele, Coppola se revela aqui mais complacente com
o exotismo japonês do que com o
arrivismo hipócrita e "deplacé"
da sociedade do espetáculo americana, representada pela personagem de Anna Faris, uma starlet
hollywoodiana às voltas com a
promoção de seu último filme. Já
Charlotte nos conduz, em sua crise existencial e conjugal, para o
velho Japão, atrás de experiências
místicas e sentimentos autênticos.
Busca que se revelará inútil.
Hóspedes de um mesmo hotel,
insones porque mal adaptados ao
fuso horário, os dois personagens
se encontram, nas madrugadas,
num bar onde começam por destilar a ironia e o desprendimento
que parecem guardar em comum
e acabam por compartilhar certa
angústia existencial.
Coppola parte do lugar para
chegar à relação e depois traça o
caminho de volta ao selar a amizade entre Bob e Charlotte em
uma noite de esbórnia, filmada
mais ou menos ao improviso, numa balada pelas ruas de Tóquio. É
assim que a autora sedimenta o
seu filme de encontro, a história
de uma amizade passageira.
A liberdade que o gênero lhe
propicia, Coppola lega aos atores,
sendo retribuída com a espontaneidade com que estes se portam
em cena. É assim que se desenha
uma evolução, a mais natural possível, para a relação de Bob e
Charlotte: a amizade, iniciada
meio platonicamente em torno de
certa afinidade de espírito, termina quando a atração física já
ameaça se interpor.
Encontros e Desencontros
Quando: amanhã (23h) no Unibanco
Arteplex 1, e dia 27 (21h30) no Metrô
Santa Cruz 9
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