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São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 2003

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27ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SP

Dirigido por Sofia Coppola, "Encontros e Desencontros" focaliza os choques culturais de dois norte-americanos em Tóquio

Olhar estrangeiro guia comédia existencial

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Os críticos americanos gostam de ressaltar quando uma locação natural é bem utilizada em um filme. Mas o que querem dizer, quase sempre, é que a locação foi devidamente conformada ao esquema narrativo clássico, em que os espaços se coordenam, são predeterminados e exercem funções específicas, servindo ora para ilustrar uma situação, ora para ambientar uma ação.
Inaugurado pelo encontro ítalo-americano do neo-realismo e consagrado pela geração da nouvelle vague e do cinema-verdade, o filme de encontro -gênero caro ao dito cinema moderno do pós-guerra- subverte essa lógica, privilegiando o lugar em detrimento da narrativa e a improvisação em detrimento da roteirização. Seus espaços são indeterminados e não se coordenam entre si. Adaptado à escola americana, em que o roteiro e a narrativa são prioritários, o gênero perde quase sempre o seu sentido. Não é o que acontece em "Encontros e Desencontros", que passa amanhã e dia 27 na Mostra de Cinema.
O filme de encontro que a diretora Sofia Coppola, filha de Francis Ford, foi realizar longe da América equilibra a origem moderna do gênero com um pouco da programática tradição americana, revelando-se uma bem-sucedida mistura de cenas roteirizadas e passagens (mais ou menos) improvisadas, realizadas no calor do momento, uma combinação não conflitante entre o desejo de explorar a locação, Tóquio, e a necessidade de contar uma história.
Em boa medida, Coppola usa o encontro entre Bob Harris (Bill Murray), um astro meio decadente, do tipo que já não se ilude na vida, e o de Charlotte (Scarlett Johansson), uma jovem esposa negligenciada pelo marido fotógrafo, como um pretexto para deter um olhar sobre Tóquio, sobre as bizarrices e afetações de sua sociedade do espetáculo, as excentricidades de seu universo boêmio e os valores perdidos da velha civilização japones. Deter talvez não seja a melhor palavra: o olhar de Coppola é um olhar de "flâneur", inevitavelmente estrangeiro e conscientemente superficial.
Harris, que está no Japão para protagonizar um comercial de uísque, possibilita à diretora explorar um pouco da comicidade caricatural da mídia japonesa. Apesar do distanciamento, ou justamente por ele, Coppola se revela aqui mais complacente com o exotismo japonês do que com o arrivismo hipócrita e "deplacé" da sociedade do espetáculo americana, representada pela personagem de Anna Faris, uma starlet hollywoodiana às voltas com a promoção de seu último filme. Já Charlotte nos conduz, em sua crise existencial e conjugal, para o velho Japão, atrás de experiências místicas e sentimentos autênticos. Busca que se revelará inútil.
Hóspedes de um mesmo hotel, insones porque mal adaptados ao fuso horário, os dois personagens se encontram, nas madrugadas, num bar onde começam por destilar a ironia e o desprendimento que parecem guardar em comum e acabam por compartilhar certa angústia existencial.
Coppola parte do lugar para chegar à relação e depois traça o caminho de volta ao selar a amizade entre Bob e Charlotte em uma noite de esbórnia, filmada mais ou menos ao improviso, numa balada pelas ruas de Tóquio. É assim que a autora sedimenta o seu filme de encontro, a história de uma amizade passageira.
A liberdade que o gênero lhe propicia, Coppola lega aos atores, sendo retribuída com a espontaneidade com que estes se portam em cena. É assim que se desenha uma evolução, a mais natural possível, para a relação de Bob e Charlotte: a amizade, iniciada meio platonicamente em torno de certa afinidade de espírito, termina quando a atração física já ameaça se interpor.


Encontros e Desencontros   
Quando: amanhã (23h) no Unibanco Arteplex 1, e dia 27 (21h30) no Metrô Santa Cruz 9



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