São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 2008

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Crítica/"24 City"

Com relatos "reais" e "encenados", Jia Zhang-ke aproxima memória e fábula

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Da mesma forma que espectadores escolhem filmes como drama ou comédia, outros distinguem ficção e documentário como se fossem modos estanques, senão opostos, de fazer e ver cinema. No cinema brasileiro, Andrea Tonacci e Eduardo Coutinho há pouco embaralharam com força os dois modelos, deixando claro o quanto somos reféns de classificações.
Inspirado por outras questões, o chinês Jia Zhang-ke adota recurso semelhante, tornando indistintos depoimentos "reais" de "encenados" em "24 City". De fato, trata-se de uma fusão das duas linhas de força que vinham alimentando seus trabalhos até "Em Busca da Vida", ficções ancoradas em situações e espaços de evidência documental.
A força maior, mas não a única, de "24 City" está neste hibridismo dos depoimentos, nos quais memória e fabulação se confundem para tornar ainda mais explícita a passagem do tempo e o que ele traz de mais visível, as transformações. O título refere-se a um luxuoso projeto imobiliário em construção na cidade de Chengdu, no local onde desde os anos 50 funcionou um gigantesco complexo industrial-militar.
As falas, graças ao uso recorrente dos verbos no pretérito, orientam nossa atenção para esse passado. Já as imagens nos confrontam com o presente marcado por indicadores fortes como desmontagens e demolições. O teor emocional dos depoimentos é o da nostalgia, no qual o passado se valoriza como o tempo da plenitude.
Já o cinema proposto por Jia Zhang-ke transita num limbo entre esses tempos. Em tomadas de interiores da usina, sua câmera registra o trabalho siderúrgico e também mostra as ruínas de dentro, pelas janelas sendo depredadas.
Posicionada do lado de fora da indústria, sua câmera digital volta a ser um cinematógrafo dos irmãos Lumière, registrando os movimentos de circulação dos funcionários por um grande portão, tal como no primeiro dos filmes. Como Wang Bing (cujos monumentais "Além dos Trilhos" e "Fengming" ecoam em cada imagem e som de "24 City"), Jia Zhang-ke recua ao pretérito (do cinema) para nos fazer enxergar melhor o presente (do mundo).


24 CITY
Quando: hoje, 22h10, no Unibanco Arteplex 2; amanhã, 20h, no iG Cine; dia 28, 17h30, no Cinesesc; dia 29, 17h10, Reserva Cultural Sala 1
Classificação: livre
Avaliação: ótimo



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