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Crítica/"24 City"
Com relatos "reais" e "encenados", Jia Zhang-ke aproxima memória e fábula
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Da mesma forma que espectadores escolhem
filmes como drama ou
comédia, outros distinguem
ficção e documentário como se
fossem modos estanques, senão opostos, de fazer e ver cinema. No cinema brasileiro, Andrea Tonacci e Eduardo Coutinho há pouco embaralharam
com força os dois modelos, deixando claro o quanto somos reféns de classificações.
Inspirado por outras questões, o chinês Jia Zhang-ke
adota recurso semelhante, tornando indistintos depoimentos "reais" de "encenados" em
"24 City". De fato, trata-se de
uma fusão das duas linhas de
força que vinham alimentando
seus trabalhos até "Em Busca
da Vida", ficções ancoradas em
situações e espaços de evidência documental.
A força maior, mas não a única, de "24 City" está neste hibridismo dos depoimentos, nos
quais memória e fabulação se
confundem para tornar ainda
mais explícita a passagem do
tempo e o que ele traz de mais
visível, as transformações. O título refere-se a um luxuoso
projeto imobiliário em construção na cidade de Chengdu,
no local onde desde os anos 50
funcionou um gigantesco complexo industrial-militar.
As falas, graças ao uso recorrente dos verbos no pretérito,
orientam nossa atenção para
esse passado. Já as imagens nos
confrontam com o presente
marcado por indicadores fortes
como desmontagens e demolições. O teor emocional dos depoimentos é o da nostalgia, no
qual o passado se valoriza como
o tempo da plenitude.
Já o cinema proposto por Jia
Zhang-ke transita num limbo
entre esses tempos. Em tomadas de interiores da usina, sua
câmera registra o trabalho siderúrgico e também mostra as
ruínas de dentro, pelas janelas
sendo depredadas.
Posicionada do lado de fora
da indústria, sua câmera digital
volta a ser um cinematógrafo
dos irmãos Lumière, registrando os movimentos de circulação dos funcionários por um
grande portão, tal como no primeiro dos filmes. Como Wang
Bing (cujos monumentais
"Além dos Trilhos" e "Fengming" ecoam em cada imagem
e som de "24 City"), Jia Zhang-ke recua ao pretérito (do cinema) para nos fazer enxergar
melhor o presente (do mundo).
24 CITY
Quando: hoje, 22h10, no Unibanco
Arteplex 2; amanhã, 20h, no iG Cine;
dia 28, 17h30, no Cinesesc; dia 29,
17h10, Reserva Cultural Sala 1
Classificação: livre
Avaliação: ótimo
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