|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
32ª MOSTRA DE SP
Deneuve conduz jornada ao sul destruído do Líbano
Em "Eu Quero Ver", atriz francesa vai a áreas arrasadas pelo conflito com Israel
Documentário foi motivado pela sensação de urgência de ver a guerra à distância, como espectadores, diz a dupla libanesa de diretores
BEATRIZ PERES
EDITORA DE SAÚDE
Estar em Paris em julho de
2006, quando uma guerra estourou no Líbano, e não poder
voltar ao seu país mudou radicalmente a perspectiva dos cineastas Joana Hadjithomas e
Khalil Joreige, 39. E a mudança
resultou no documentário "Eu
Quero Ver", exibido no último
Festival de Cannes.
"Pela primeira vez, vivíamos
a guerra à distância, como espectadores", disseram à Folha.
"O conflito cristalizou um mal-estar no país, dividido por tensões e marcado por violência.
Fomos confrontados com a dificuldade de vivermos juntos."
A situação os levou a questionar o roteiro que escreviam e a
se dedicar a um novo projeto,
que desse conta da sensação de
urgência. Convidaram Catherine Deneuve para uma viagem
de carro, com um ator libanês,
ao sul do Líbano, destruído pelas bombas. Leia trechos da entrevista concedida por e-mail.
FOLHA - Como foram as negociações e quais as condições impostas
por Deneuve para estar no filme?
JOANA HADJITHOMAS E KHALIL JOREIGE - Nós a convidamos por
carta, e ela aceitou quase imediatamente. Explicamos que
ela não teria roteiro e que teríamos de trabalhar com improviso. Ela concordou e não fez exigências ligadas à segurança.
Havia apenas um guarda-costas, da embaixada francesa.
FOLHA - Havia um roteiro ou o filme apenas registra a viagem?
HADJITHOMAS E JOREIGE - Escrevemos um roteiro, mas não o entregamos aos atores. Eles foram colocados em situações
que nós já havíamos vivido,
mas houve surpresas, próprias
da aventura do documentário.
Filmamos em HD, para conseguir gravar quase o tempo todo
e trabalhar com os imprevistos
e impasses -já que era preciso
pedir autorização a todas as
instâncias presentes: Exército
do Líbano, representantes da
ONU, Hizbollah, Israel e Embaixada da França.
FOLHA - Para o catálogo de Cannes,
vocês disseram tentar descobrir "o
que o cinema poderia fazer" sobre a
guerra. O filme responde?
HADJITHOMAS E JOREIGE - O filme
não responde, mas pudemos
experimentar muito com o cinema. Por exemplo, na fronteira com Israel, há uma pequena
estrada interditada. Pedimos
autorização para filmar lá e
tentamos descobrir se a presença de Catherine nos ajudaria a abrir excepcionalmente
aquele caminho. O cinema pode abrir um caminho? De repente, num meio extremamente militarizado, foi possível.
Aquela estrada se tornou um
território paralelo, um país, um
continente, sem nacionalidade,
apenas possível no cinema.
FOLHA - Vocês acham que o documentário pode mudar como os espectadores vêem a guerra?
HADJITHOMAS E JOREIGE - Nós quisemos fazer o filme para opor
nossas imagens às imagens espetaculares que vimos na TV. E
acreditamos que as coisas evoluem, o olhar se torna mais
complexo. O filme poderia iluminar a situação de maneira diferente. A idéia era mostrar, de
outra forma, lugares e situações que todos pensam conhecer e, assim, questionar as certezas, trazer ambigüidades.
FOLHA - Vocês escreveram que, por
um tempo, "não sabiam mais o que
escrever, que imagens mostrar".
Após o filme, é possível voltar às histórias que vocês contavam antes?
HADJITHOMAS E JOREIGE - É possível e é importante voltar a contar histórias fictícias. Durante
as filmagens, nos perguntávamos se voltaríamos à ficção no
filme. E isso aconteceu na cena
final. O olhar e o sorriso de Catherine remetem à ficção e permitem que certas histórias possam ser novamente contadas.
Texto Anterior: Crítica/"Meu Winnipeg" e "Pornô Verde": Diretor canadense radicaliza documentário autoral Próximo Texto: Crítica/"Eu Quero Ver": Filme nos ajuda a enxergar aquilo que não vemos mais Índice
|