São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 2008

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32ª MOSTRA DE SP

Deneuve conduz jornada ao sul destruído do Líbano

Em "Eu Quero Ver", atriz francesa vai a áreas arrasadas pelo conflito com Israel

Documentário foi motivado pela sensação de urgência de ver a guerra à distância, como espectadores, diz a dupla libanesa de diretores


BEATRIZ PERES
EDITORA DE SAÚDE

Estar em Paris em julho de 2006, quando uma guerra estourou no Líbano, e não poder voltar ao seu país mudou radicalmente a perspectiva dos cineastas Joana Hadjithomas e Khalil Joreige, 39. E a mudança resultou no documentário "Eu Quero Ver", exibido no último Festival de Cannes.
"Pela primeira vez, vivíamos a guerra à distância, como espectadores", disseram à Folha.
"O conflito cristalizou um mal-estar no país, dividido por tensões e marcado por violência.
Fomos confrontados com a dificuldade de vivermos juntos."
A situação os levou a questionar o roteiro que escreviam e a se dedicar a um novo projeto, que desse conta da sensação de urgência. Convidaram Catherine Deneuve para uma viagem de carro, com um ator libanês, ao sul do Líbano, destruído pelas bombas. Leia trechos da entrevista concedida por e-mail.

 

FOLHA - Como foram as negociações e quais as condições impostas por Deneuve para estar no filme?
JOANA HADJITHOMAS E KHALIL JOREIGE
- Nós a convidamos por carta, e ela aceitou quase imediatamente. Explicamos que ela não teria roteiro e que teríamos de trabalhar com improviso. Ela concordou e não fez exigências ligadas à segurança. Havia apenas um guarda-costas, da embaixada francesa.

FOLHA - Havia um roteiro ou o filme apenas registra a viagem?
HADJITHOMAS E JOREIGE
- Escrevemos um roteiro, mas não o entregamos aos atores. Eles foram colocados em situações que nós já havíamos vivido, mas houve surpresas, próprias da aventura do documentário.
Filmamos em HD, para conseguir gravar quase o tempo todo e trabalhar com os imprevistos e impasses -já que era preciso pedir autorização a todas as instâncias presentes: Exército do Líbano, representantes da ONU, Hizbollah, Israel e Embaixada da França.

FOLHA - Para o catálogo de Cannes, vocês disseram tentar descobrir "o que o cinema poderia fazer" sobre a guerra. O filme responde?
HADJITHOMAS E JOREIGE
- O filme não responde, mas pudemos experimentar muito com o cinema. Por exemplo, na fronteira com Israel, há uma pequena estrada interditada. Pedimos autorização para filmar lá e tentamos descobrir se a presença de Catherine nos ajudaria a abrir excepcionalmente aquele caminho. O cinema pode abrir um caminho? De repente, num meio extremamente militarizado, foi possível.
Aquela estrada se tornou um território paralelo, um país, um continente, sem nacionalidade, apenas possível no cinema.

FOLHA - Vocês acham que o documentário pode mudar como os espectadores vêem a guerra?
HADJITHOMAS E JOREIGE
- Nós quisemos fazer o filme para opor nossas imagens às imagens espetaculares que vimos na TV. E acreditamos que as coisas evoluem, o olhar se torna mais complexo. O filme poderia iluminar a situação de maneira diferente. A idéia era mostrar, de outra forma, lugares e situações que todos pensam conhecer e, assim, questionar as certezas, trazer ambigüidades.

FOLHA - Vocês escreveram que, por um tempo, "não sabiam mais o que escrever, que imagens mostrar".
Após o filme, é possível voltar às histórias que vocês contavam antes?
HADJITHOMAS E JOREIGE
- É possível e é importante voltar a contar histórias fictícias. Durante as filmagens, nos perguntávamos se voltaríamos à ficção no filme. E isso aconteceu na cena final. O olhar e o sorriso de Catherine remetem à ficção e permitem que certas histórias possam ser novamente contadas.


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