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Crítica/"Eu Quero Ver"
Filme nos ajuda a enxergar aquilo que não vemos mais
AMIR LABAKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Numa era inflacionada
por imagens, sons e
notícias, não basta
olhar para ver. Com a sensibilidade viciada pelo extraordinário, com a atenção caçada incessantemente pelas celebridades, é por vezes preciso saber
jogar o jogo em busca de atalhos possíveis para o essencial.
É este o substrato de "Eu Quero
Ver", dos libaneses Joana Hadjithomas e Khalil Joreige.
Em julho de 2006, o sul do
Líbano tornou-se novamente
cenário de um conflito militar
com Israel. Por algumas semanas, a mídia acompanhou o
cruel enfrentamento. Cessados
os ataques, novas manchetes
ocuparam a atenção. Restaram
os escombros e o silêncio.
Pouco depois, Hadjithomas e
Joreige aproveitaram uma visita a Beirute da estrela francesa
Catherine Deneuve para convidá-la a protagonizar um filme
sobre a destruição resultante
do confronto recente. Construíram um documentário emprestando o poder de identificação da imagem dela para revelar um palco real de ruínas.
O dispositivo do documentário não poderia ser mais simples. Um carro sai de Beirute
em direção ao sul levando Deneuve com um guia e interlocutor, o ator libanês Rabih
Mroué. No automóvel à frente,
seguem a equipe de filmagem e
o guarda-costas da atriz.
Por razões dramáticas, uma
semana de registros foi condensada num só dia no filme. É
a única situação de bastidores
mantida oculta, dentre inseguranças, dúvidas e equívocos revelados no processo. Ao volante, Mroué conduz Deneuve pela tensa jornada. O cinto de segurança fortemente agarrado e
o cigarro constantemente aceso se tornam os símbolos maiores do desconforto da atriz.
Vencido o trânsito calamitoso de Beirute, o comboio ruma
para a cidade-natal do ator. Ao
lá chegarem, alcançam o coração do filme. Eles descem do
carro para caminhar por destroços em busca da antiga casa
da família Mroué. A procura em
vão, numa zona intensamente
bombardeada, desorienta de
vez o guia de Deneuve.
"Eu Quero Ver" recusa didatismos. Hadjithomas e Joreige
apostam numa crença moderna corroída pela contemporaneidade: o cinema torna visível.
O resultado é um verdadeiro
ensaio sobre a cegueira.
EU QUERO VER
Quando: hoje, às 21h20, no Unibanco Arteplex 4; terça, às 13h, no Reserva Cultural 1; quarta, às 14h, no
Unibanco Arteplex 4
Classificação: livre
Avaliação: ótimo
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