São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 2008

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Crítica/"Eu Quero Ver"
Filme nos ajuda a enxergar aquilo que não vemos mais

AMIR LABAKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Numa era inflacionada por imagens, sons e notícias, não basta olhar para ver. Com a sensibilidade viciada pelo extraordinário, com a atenção caçada incessantemente pelas celebridades, é por vezes preciso saber jogar o jogo em busca de atalhos possíveis para o essencial.
É este o substrato de "Eu Quero Ver", dos libaneses Joana Hadjithomas e Khalil Joreige.
Em julho de 2006, o sul do Líbano tornou-se novamente cenário de um conflito militar com Israel. Por algumas semanas, a mídia acompanhou o cruel enfrentamento. Cessados os ataques, novas manchetes ocuparam a atenção. Restaram os escombros e o silêncio.
Pouco depois, Hadjithomas e Joreige aproveitaram uma visita a Beirute da estrela francesa Catherine Deneuve para convidá-la a protagonizar um filme sobre a destruição resultante do confronto recente. Construíram um documentário emprestando o poder de identificação da imagem dela para revelar um palco real de ruínas.
O dispositivo do documentário não poderia ser mais simples. Um carro sai de Beirute em direção ao sul levando Deneuve com um guia e interlocutor, o ator libanês Rabih Mroué. No automóvel à frente, seguem a equipe de filmagem e o guarda-costas da atriz.
Por razões dramáticas, uma semana de registros foi condensada num só dia no filme. É a única situação de bastidores mantida oculta, dentre inseguranças, dúvidas e equívocos revelados no processo. Ao volante, Mroué conduz Deneuve pela tensa jornada. O cinto de segurança fortemente agarrado e o cigarro constantemente aceso se tornam os símbolos maiores do desconforto da atriz.
Vencido o trânsito calamitoso de Beirute, o comboio ruma para a cidade-natal do ator. Ao lá chegarem, alcançam o coração do filme. Eles descem do carro para caminhar por destroços em busca da antiga casa da família Mroué. A procura em vão, numa zona intensamente bombardeada, desorienta de vez o guia de Deneuve.
"Eu Quero Ver" recusa didatismos. Hadjithomas e Joreige apostam numa crença moderna corroída pela contemporaneidade: o cinema torna visível.
O resultado é um verdadeiro ensaio sobre a cegueira.


EU QUERO VER
Quando: hoje, às 21h20, no Unibanco Arteplex 4; terça, às 13h, no Reserva Cultural 1; quarta, às 14h, no Unibanco Arteplex 4
Classificação: livre
Avaliação: ótimo



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