São Paulo, sábado, 24 de novembro de 2001

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15ª Feira Internacional do Livro de Guadalajara abre hoje as portas ao Brasil

O realismo mágico em xeque

FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Foi uma longa corte. Após três anos da primeira aproximação, o Brasil aceita, de hoje a 2 de dezembro, o lugar de convidado de honra da Feira Internacional do Livro de Guadalajara.
O encontro mexicano só perde, em proporções e importância, para seu similar alemão, que acontece anualmente em Frankfurt. Para a literatura em espanhol e da América Latina, é a maior vitrine.
"Esperamos o momento oportuno em que o Brasil pudesse aceitar um convite feito desde 1998", diz María Luisa Armendáriz, 38. Feita diretora-geral da FIL em julho -essa é, portanto, sua primeira edição em 15 anos de evento-, ela explica por que o casamento entre o Brasil e a feira demorou: faltava "uma instância governamental assumir os compromissos implicados; a participação significa investimento".
Vinda do mercado -trabalhou seis anos no Fondo de Cultura Económica, editora do governo mexicano-, Armendáriz sabe que não basta a cerimônia: há que consolidar uma união duradoura.
No Brasil imprime-se metade dos livros produzidos na América Latina. Tamanha produção, no entanto, reflete mirada ainda míope sobre a literatura contemporânea dos vizinhos.
Há mais literatura latino-americana do que supõe o realismo mágico. Em seus países de origem, novos escritores, como o chileno Alberto Fuguet, brigam por estender as fronteiras literárias para além da mítica Macondo.
Um encontro das proporções da FIL -a saber, em 2000 foram 60 mil m2 de área, quase metade dedicados a livros, vindos de 1.135 editoras de todo o mundo- poderia ser o palco perfeito para pôr o realismo fantástico em xeque e tirar as letras latino-americanas do âmbito do exotismo.
Já o Brasil, no contexto literário do continente, é mesmo um gigante adormecido. A barreira da língua intimida: traduz-se pouco do português para o espanhol.
"Temos pouca tradução", diz Armendáriz. Porém, falta mesmo é reimpressão: "Há várias traduções identificadas em espanhol, mas que, infelizmente, não estão vigentes, saíram de mercado".
"Meu objetivo mais importante é fazer com que, com a participação de um convidado, se dê realmente esse intercâmbio entre ambos os países", diz Armendáriz.
"Houve um tempo em que isso se dava de maneira muito fácil. Estávamos em dia com a literatura dos outros países da América Latina. Tínhamos livros de Guimarães Rosa, Machado de Assis, Rubem Fonseca, Nélida Piñon."
A lista de convivas da "união", ressalta, deveria ser atualizada "a cada década, pelo menos, para que fiquemos ao corrente de quais são as figuras e tendências literárias de nossos países".
Os participantes brasileiros -não só professores e escritores, mas também músicos e artistas, ampliando o panorama de literário para cultural- foram definidos pelo convidado, em duas instâncias: a Biblioteca Nacional, no Rio, e a divisão cultural do Ministério das Relações Exteriores.
A maior parte da lista brasileira compõe-se de "embaixadores" de longa data. É o caso de Carlos Heitor Cony, Moacir Sclyar e da própria Nélida Piñon.
Poucos, como Patrícia Melo, representam o Brasil nas livrarias estrangeiras somente desde a década passada. De todos, porém, o mais famoso hoje em dia, passando qualquer barreira de língua e estilo, é Paulo Coelho.
O autor de "O Alquimista", 54, viaja principalmente para divulgar o lançamento mexicano de "O Demônio e a Srta. Prym", levado por sua editora local, a Grijalbo.
Aproveita o ensejo para participar de um dos eventos que a diretora-geral define como "estelares", brilhando especialmente em um total de 800: a homenagem ao baiano Jorge Amado -morto em agosto, aos 88 anos.
"A homenagem tem vários espaços", diz Armendáriz. "É Zélia Gattai quem a inaugura. Paulo Coelho também quer falar de Jorge Amado", resume.
Coelho falará no dia 1º de dezembro, em evento previsto para durar duas horas. Ao escolher a obra de Amado como viés para "promover" a literatura brasileira, deixa no ar uma dúvida: a fala seria passo da campanha para a Academia Brasileira de Letras?
Depois de ter tido o nome levantado para a vaga de Amado, antes mesmo do da viúva e atual postulante, Zélia Gattai, o escritor pleiteia a cadeira de Roberto Campos, morto em outubro.
Coelho responde que é "homenagem desinteressada"."Não poderia falar de outro", diz. E calcula que o agrado que eventualmente cause a Zélia Gattai, pelas datas da Academia, não chegaria a tempo de ela vestir o fardão e, assim, defendê-lo como candidato.



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