|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVRO/LANÇAMENTO
"ESCRAVAS DO AMOR"
Em romance de 44, escritor usa o codinome com o qual assinava folhetins publicados em jornais
Nelson Rodrigues se esconde em Suzana Flag
MARCELO PEN
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Flag, Suzana Flag. Esse era o
codinome usado por Nelson
Rodrigues para assinar alguns folhetins publicados nos jornais de
Assis Chateaubriand. Corria a década de 40, e a segunda peça do
dramaturgo, "Vestido de Noiva",
revolucionava o teatro nacional
nas mãos de Ziembinski.
Se "Vestido de Noiva" marcou o
início do moderno teatro brasileiro, as intrigas de Suzana Flag bebem de outra fonte. São histórias
rocambolescas, cheias de revelações, que apelam mais para os
instintos do que para o cérebro.
Chamam-se folhetins, e alguns
gostam de ressaltar a semelhança
com as novelas de TV. O primeiro
de Nelson, "Meu Destino É Pecar", foi tamanho sucesso que o
autor publicou outro, "Escravas
do Amor", no mesmo 1944.
A história começa com um crime a portas fechadas. Ricardo,
noivo da bem-nascida Maria Luísa Maia (Malu), vem pedir-lhe a
mão. Antes, tranca-se com a moça numa sala. Pouco depois, aparece morto. Crime? Suicídio? A
mãe de Malu confessa ter sido
cortejada por Ricardo antes de ele
conhecer a filha. Ao mesmo tempo, Glorinha, amante do pai de
Malu, chega ao casarão dos Maias
disposta a fazer escândalo.
Isso tudo logo nas primeiras páginas. E o enredo segue mirabolante. Faria corar Glória Perez e
Aguinaldo Silva. Alguns recursos:
ataque de onça, velho judeu que
mora num castelo e tem cicatriz
no rosto, punhal com ponta envenenada, hipnotismo, troca de bebês, passagens secretas, herói rico
que se faz passar por pobre.
Quando estava "na infância da
arte", como dizia Henry James, o
romance exibia tramas desconectadas da experiência real. Depois,
com o realismo, tais histórias foram descartadas como exemplos
de mau gosto. Consagraram-se o
romance tecnicamente bem-feito
e os personagens psicologicamente coerentes. Hoje, muita coisa mudou. Aprecia-se a história
"com fios soltos". Considera-se
careta o romance psicológico. Revaloriza-se o melodrama.
O problema é que nem nessa leitura contemporânea a ficção folhetinesca de Nelson se sustenta.
A trama é somente uma pirotecnia destinada a surpreender. Mas
surpresas em excesso entediam. A
rigor não há personagens, mas títeres nas mãos de um demiurgo-autor que os usa sem se preocupar com a verossimilhança.
Dizer que não se trata de romance, mas de folhetim é sair pela
tangente. Tudo isso, afinal, é ficção e, de mais a mais, literária.
Aliás, o folhetim existe desde antes de Nelson Rodrigues. Machado de Assis e Henry James deixaram seus romances impressos em
folhetins nos jornais e revistas de
sua época. E tiveram sucesso.
Nelson Rodrigues quis permitir-se a tudo como Suzana Flag. O
balão da experiência voou alto demais para que pudéssemos resgatá-lo. Salvam-se o estilo contundente e uma ou outra ousadia,
que Nelson viria a elaborar melhor, depois, nas peças. O que vem
provar: nem tudo o que é Nelson
Rodrigues é ouro.
Escravas do Amor
Autor: Suzana Flag (Nelson Rodrigues)
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39 (544 págs.)
Texto Anterior: Livro/lançamento: Ruy Castro faz elogio à música popular brasileira Próximo Texto: Colcha de retalhos Índice
|