São Paulo, sábado, 24 de novembro de 2001

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LIVRO/LANÇAMENTO

"ESCRAVAS DO AMOR"

Em romance de 44, escritor usa o codinome com o qual assinava folhetins publicados em jornais

Nelson Rodrigues se esconde em Suzana Flag

MARCELO PEN
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Flag, Suzana Flag. Esse era o codinome usado por Nelson Rodrigues para assinar alguns folhetins publicados nos jornais de Assis Chateaubriand. Corria a década de 40, e a segunda peça do dramaturgo, "Vestido de Noiva", revolucionava o teatro nacional nas mãos de Ziembinski.
Se "Vestido de Noiva" marcou o início do moderno teatro brasileiro, as intrigas de Suzana Flag bebem de outra fonte. São histórias rocambolescas, cheias de revelações, que apelam mais para os instintos do que para o cérebro. Chamam-se folhetins, e alguns gostam de ressaltar a semelhança com as novelas de TV. O primeiro de Nelson, "Meu Destino É Pecar", foi tamanho sucesso que o autor publicou outro, "Escravas do Amor", no mesmo 1944.
A história começa com um crime a portas fechadas. Ricardo, noivo da bem-nascida Maria Luísa Maia (Malu), vem pedir-lhe a mão. Antes, tranca-se com a moça numa sala. Pouco depois, aparece morto. Crime? Suicídio? A mãe de Malu confessa ter sido cortejada por Ricardo antes de ele conhecer a filha. Ao mesmo tempo, Glorinha, amante do pai de Malu, chega ao casarão dos Maias disposta a fazer escândalo.
Isso tudo logo nas primeiras páginas. E o enredo segue mirabolante. Faria corar Glória Perez e Aguinaldo Silva. Alguns recursos: ataque de onça, velho judeu que mora num castelo e tem cicatriz no rosto, punhal com ponta envenenada, hipnotismo, troca de bebês, passagens secretas, herói rico que se faz passar por pobre.
Quando estava "na infância da arte", como dizia Henry James, o romance exibia tramas desconectadas da experiência real. Depois, com o realismo, tais histórias foram descartadas como exemplos de mau gosto. Consagraram-se o romance tecnicamente bem-feito e os personagens psicologicamente coerentes. Hoje, muita coisa mudou. Aprecia-se a história "com fios soltos". Considera-se careta o romance psicológico. Revaloriza-se o melodrama.
O problema é que nem nessa leitura contemporânea a ficção folhetinesca de Nelson se sustenta. A trama é somente uma pirotecnia destinada a surpreender. Mas surpresas em excesso entediam. A rigor não há personagens, mas títeres nas mãos de um demiurgo-autor que os usa sem se preocupar com a verossimilhança.
Dizer que não se trata de romance, mas de folhetim é sair pela tangente. Tudo isso, afinal, é ficção e, de mais a mais, literária. Aliás, o folhetim existe desde antes de Nelson Rodrigues. Machado de Assis e Henry James deixaram seus romances impressos em folhetins nos jornais e revistas de sua época. E tiveram sucesso.
Nelson Rodrigues quis permitir-se a tudo como Suzana Flag. O balão da experiência voou alto demais para que pudéssemos resgatá-lo. Salvam-se o estilo contundente e uma ou outra ousadia, que Nelson viria a elaborar melhor, depois, nas peças. O que vem provar: nem tudo o que é Nelson Rodrigues é ouro.


Escravas do Amor
   
Autor: Suzana Flag (Nelson Rodrigues)
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39 (544 págs.)



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