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TEATRO
SARAMAGO EM CENA
Com texto de Maria Adelaide Amaral e direção de José Possi Neto, espetáculo faz pré-estréia hoje em SP
"Evangelho" mira a essência do romance
VALMIR SANTOS
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Homens, perdoai-lhe, porque
ele não sabe o que fez." A frase
que Jesus declama na cruz, diante
da aparição de Deus, conforme o
romance de José Saramago, é emblemática da essência que a dramaturga Maria Adelaide Amaral
pretende assegurar na sua adaptação para teatro do romance "O
Evangelho Segundo Jesus Cristo".
"O maior desafio foi pinçar de
uma obra extensa as cenas essenciais e idéias mais importantes para compor um espetáculo teatral
de cerca de duas horas", afirma
Amaral, 59.
Entre as passagens indispensáveis na transposição, ela destaca
sobretudo o último embate de Jesus, Deus e o Diabo, que se dá em
uma barca, sob nevoeiro.
Jesus (Eriberto Leão), Deus
(Paulo Goulart) e o Diabo (Celso
Frateschi, dissimulado na figura
de um pastor) são personagens
do espetáculo que faz pré-estréia
hoje, para convidados, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, e segue
em temporada a partir de amanhã. Nobel de literatura em 98, o
escritor português José Saramago, 79, está na cidade para conferir o projeto.
Também surgem em cena, entre
outros, Maria (Walderez de Barros) e Madalena (Maria Fernanda
Cândido), ou Maria de Magdala,
como no romance.
José não está representado na
montagem de José Possi Neto, 54,
por deliberação do diretor. O carpinteiro não é personagem desde
o primeiro tratamento para a
adaptação, há cerca de quatro
anos, feito por ele e pela atriz e
produtora Júlia Catelli (Zelomi, a
escrava).
"José tem um papel preponderante no livro. O Saramago sustenta toda a história na relação da
culpa e da responsabilidade dele
em ter salvo seu filho dos homens
de Herodes, mas não ter avisado
às outras famílias", diz Possi Neto.
"Não aparece como personagem
porque se fala dele o tempo inteiro, se fala da culpa."
Lançado há dez anos, "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" relê
os textos sagrados à luz de Saramago, que trata de humanizar os
personagens bíblicos e diluir o
maniqueísmo da fé.
Aqui, explica Possi Neto, Maria
não é virgem, José é culpado, e Jesus tem seus grilos sobre sua origem e seu destino, como qualquer
mortal. Não são estanques, têm
falhas e qualidades; não há bem
versus mal, mas bem e mal.
"Saramago mantém os arquétipos místicos, não os desfaz, mas
desmascara determinados aspectos de um Deus que rege a moral
do mundo ocidental. Por trás disso, há uma profunda relação fatalista do destino e da impotência
do homem diante do divino."
"Quem determina nossas ações,
Deus ou a vontade do homem?",
coloca Walderez de Barros, 60.
Para a atriz, sua Maria se revela
"absolutamente diferente daquela
que imaginamos como a Virgem,
a Mãe Santíssima, porque tem
psicologia própria".
Jesus, segundo o ator Eriberto
Leão, 29, traça a perspectiva de
um herói que encontra diversas
entidades em seu caminho. "A
grande maravilha é que ele é apenas um homem cheio de dúvidas,
filosófico até, um jovem judeu
que tem conhecimento sobre as
escrituras de sua época e sempre
se questiona a si e aos outros."
Tanto Amaral quanto Possi Neto identificam no romance de Saramago uma estrutura de tragédia
grega.
"Jesus é um personagem trágico
da mesma maneira que Prometeu
e Édipo o são", diz a dramaturga,
que já adaptou Sófocles. "São herdeiros de uma culpa ancestral e
vítimas de um destino que não escolheram."
Coube a Paulo Goulart, 68, e a
Celso Frateschi, 49, materializar
em cena, respectivamente, as figuras de Deus e do Diabo. Ambas,
ao que se sabe, não têm "máscaras" como aquelas com as quais
contracenam no espetáculo, cujas
imagens estão impregnadas no
(in)consciente coletivo.
"Como é a cara de Deus? Cada
um tem o seu. Esse é o grande desafio", diz Goulart.
"Não nos interessa destruir o
dogma religioso, mas trabalhar
com o mito, a fábula", afirma Frateschi. "Como no livro, o tratamento é muito carinhoso e responsável, tudo é colocado de forma franca, sem cinismo."
Orçado em R$ 416 mil, o projeto
tem assistência de direção de Vivien Buckup, cenografia de J.C.
Serroni, figurinos de Fábio Namatame, iluminação de Wagner
Freire, trilha de Tunica Teixeira e
direção musical de Abel Rocha e
Miguel Briamonte.
O EVANGELHO SEGUNDO JESUS
CRISTO. Quando: pré-estréia hoje, para
convidados, e amanhã, às 21h, para o
público; de qui. a sáb., às 21h; dom., às
18h. Até 3 de fevereiro. Onde: Sesc Vila
Mariana - teatro (r. Pelotas, 141, SP, tel.
0/ xx/11/5080-3147). Quanto: R$ 30.
Patrocinador: Nossa Caixa.
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