São Paulo, sábado, 24 de novembro de 2001

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TEATRO

SARAMAGO EM CENA

Com texto de Maria Adelaide Amaral e direção de José Possi Neto, espetáculo faz pré-estréia hoje em SP

"Evangelho" mira a essência do romance

VALMIR SANTOS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Homens, perdoai-lhe, porque ele não sabe o que fez." A frase que Jesus declama na cruz, diante da aparição de Deus, conforme o romance de José Saramago, é emblemática da essência que a dramaturga Maria Adelaide Amaral pretende assegurar na sua adaptação para teatro do romance "O Evangelho Segundo Jesus Cristo".
"O maior desafio foi pinçar de uma obra extensa as cenas essenciais e idéias mais importantes para compor um espetáculo teatral de cerca de duas horas", afirma Amaral, 59.
Entre as passagens indispensáveis na transposição, ela destaca sobretudo o último embate de Jesus, Deus e o Diabo, que se dá em uma barca, sob nevoeiro.
Jesus (Eriberto Leão), Deus (Paulo Goulart) e o Diabo (Celso Frateschi, dissimulado na figura de um pastor) são personagens do espetáculo que faz pré-estréia hoje, para convidados, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, e segue em temporada a partir de amanhã. Nobel de literatura em 98, o escritor português José Saramago, 79, está na cidade para conferir o projeto.
Também surgem em cena, entre outros, Maria (Walderez de Barros) e Madalena (Maria Fernanda Cândido), ou Maria de Magdala, como no romance.
José não está representado na montagem de José Possi Neto, 54, por deliberação do diretor. O carpinteiro não é personagem desde o primeiro tratamento para a adaptação, há cerca de quatro anos, feito por ele e pela atriz e produtora Júlia Catelli (Zelomi, a escrava).
"José tem um papel preponderante no livro. O Saramago sustenta toda a história na relação da culpa e da responsabilidade dele em ter salvo seu filho dos homens de Herodes, mas não ter avisado às outras famílias", diz Possi Neto. "Não aparece como personagem porque se fala dele o tempo inteiro, se fala da culpa."
Lançado há dez anos, "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" relê os textos sagrados à luz de Saramago, que trata de humanizar os personagens bíblicos e diluir o maniqueísmo da fé.
Aqui, explica Possi Neto, Maria não é virgem, José é culpado, e Jesus tem seus grilos sobre sua origem e seu destino, como qualquer mortal. Não são estanques, têm falhas e qualidades; não há bem versus mal, mas bem e mal.
"Saramago mantém os arquétipos místicos, não os desfaz, mas desmascara determinados aspectos de um Deus que rege a moral do mundo ocidental. Por trás disso, há uma profunda relação fatalista do destino e da impotência do homem diante do divino."
"Quem determina nossas ações, Deus ou a vontade do homem?", coloca Walderez de Barros, 60. Para a atriz, sua Maria se revela "absolutamente diferente daquela que imaginamos como a Virgem, a Mãe Santíssima, porque tem psicologia própria".
Jesus, segundo o ator Eriberto Leão, 29, traça a perspectiva de um herói que encontra diversas entidades em seu caminho. "A grande maravilha é que ele é apenas um homem cheio de dúvidas, filosófico até, um jovem judeu que tem conhecimento sobre as escrituras de sua época e sempre se questiona a si e aos outros."
Tanto Amaral quanto Possi Neto identificam no romance de Saramago uma estrutura de tragédia grega.
"Jesus é um personagem trágico da mesma maneira que Prometeu e Édipo o são", diz a dramaturga, que já adaptou Sófocles. "São herdeiros de uma culpa ancestral e vítimas de um destino que não escolheram."
Coube a Paulo Goulart, 68, e a Celso Frateschi, 49, materializar em cena, respectivamente, as figuras de Deus e do Diabo. Ambas, ao que se sabe, não têm "máscaras" como aquelas com as quais contracenam no espetáculo, cujas imagens estão impregnadas no (in)consciente coletivo.
"Como é a cara de Deus? Cada um tem o seu. Esse é o grande desafio", diz Goulart.
"Não nos interessa destruir o dogma religioso, mas trabalhar com o mito, a fábula", afirma Frateschi. "Como no livro, o tratamento é muito carinhoso e responsável, tudo é colocado de forma franca, sem cinismo."
Orçado em R$ 416 mil, o projeto tem assistência de direção de Vivien Buckup, cenografia de J.C. Serroni, figurinos de Fábio Namatame, iluminação de Wagner Freire, trilha de Tunica Teixeira e direção musical de Abel Rocha e Miguel Briamonte.


O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO. Quando: pré-estréia hoje, para convidados, e amanhã, às 21h, para o público; de qui. a sáb., às 21h; dom., às 18h. Até 3 de fevereiro. Onde: Sesc Vila Mariana - teatro (r. Pelotas, 141, SP, tel. 0/ xx/11/5080-3147). Quanto: R$ 30. Patrocinador: Nossa Caixa.


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