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DRAUZIO VARELLA
Conforto e saúde
O conforto nos tornou sedentários empedernidos.
Conforto pressupõe cadeiras anatômicas com almofadas macias e
ter tudo ao alcance da mão.
Enquanto nossos antepassados
caçadores-coletores ganhavam o
sustento com o suor de seus corpos e nossos avós eram obrigados
a longas caminhadas para realizar as tarefas diárias, nós vamos
de automóvel, tomamos elevadores, subimos escadas rolantes,
apertamos botões para lavar roupa e fechar vidros, usamos telefones móveis para evitar deslocamentos e chamar o disque-pizza.
Hoje em dia, não existe pessoa
alfabetizada que desconheça os
benefícios da atividade física.
Não é sem propósito: exceção feita
a parar de fumar, nenhuma intervenção isolada de saúde pública tem tamanho impacto na prevenção das enfermidades crônicas que afligem o homem moderno: hipertensão arterial, diabetes,
obesidade, reumatismo, infarto
do miocárdio, derrame cerebral e
tantas outras.
Se, além desse conhecimento
teórico, todos são unânimes em
concordar que a prática de exercício traz uma sensação agradável
de bem-estar, é o caso de nos perguntarmos por que a maioria esmagadora de mulheres e homens
deixa de exercer essa atividade
que reconhecem fazer bem para o
organismo, na teoria e na prática.
A resposta é simples: a prática
de exercícios físicos vai contra a
natureza humana!
Theodor Dobzhanski, um dos
maiores geneticistas do século 20,
afirmou que nenhum fenômeno
biológico tem sentido exceto à luz
da evolução. Há 6 milhões de
anos, nossa espécie divergiu dos
ancestrais comuns que, mais tarde, deram origem aos chimpanzés
e aos bonobos, nossos parentes
próximos. Se lembrarmos que a
agricultura surgiu há meros 10
mil anos -e, com ela, a possibilidade de estocar provisões-, é
possível fazer idéia do esforço físico diário atrás de comida e proteção despendido por nossos ancestrais desde a idade da pedra, para
que eu tivesse o privilégio de encontrar você, leitor, neste sábado.
Os homens deixavam as mulheres com as crianças na caverna e
saíam à caça e à cata de frutos e
tubérculos. Depois de andar quilômetros, quando a sorte lhes bafejava, percorriam o caminho de
volta com a caça às costas e os frutos nas mãos. Desprovidos de tecnologia para conservação de alimentos, todos comiam a mais
não poder com o objetivo de armazenar as calorias em excesso
sob a forma de gordura, garantia
de sobrevivência quando chegasse a fome. A vida se resumia a correr atrás de comida e poupar
energia no intervalo das refeições,
como até hoje fazem os outros
animais.Ou alguém já viu jacaré
ou onça fazendo exercício no zoológico?
A penúria a que esteve submetida nossa espécie durante milhões
de anos moldou a arquitetura dos
circuitos de neurônios que se integram no cérebro humano para
controlar as sensações de fome,
saciedade e a falta absoluta de
disposição para esbanjar energia
através da atividade física. Por
causa da escassez crônica de alimentos no passado, somos capazes de comer muito mais do que o
organismo requer para as necessidades diárias. Se formos atender
nossos impulsos atávicos, saímos
da mesa farta diretamente para o
sofá da sala.
Por isso, se você está à espera de
disposição para começar um programa de atividade física, não se
engane: esse dia jamais virá. Pode
ser que surja num domingo na
praia, num sítio, mas, na rotina
diária, esqueça! Seria preciso
reescrever a história da espécie
humana na face da Terra.
Como, então, conciliar essa preguiça milenar com a necessidade
essencial de movimentar o corpo
para melhorar a qualidade de seu
desempenho e aumentar a longevidade, vivendo na cidade grande? Com as dificuldades de locomoção, o excesso de compromissos e a competição desenfreada
pelos postos de trabalho, quem
dispõe de tempo para freqüentar
clubes, academias ou caminhar
em parques públicos?
A única solução para os que se
queixam da falta de tempo é incorporar a atividade física à rotina diária.
De acordo com o guia de orientação dietética de 2005, recém-publicado pelo Departamento de
Saúde americano, as pessoas podem ser divididas em três grupos
segundo o grau de atividade física:
1) Sedentários: quando a atividade é leve, praticamente limitada às solicitações da vida diária.
2) Moderadamente ativos:
quando andam de 2,4 a 4,8 km
por dia, em 30 minutos, ou sobem
15 minutos de escada, além de
executar as atividades do dia-a-dia.
3) Ativos: quando andam mais
de 4,8 km por dia, à velocidade de
4,8 a 6,4 km por hora, ou sobem
mais de 15 minutos de escada,
além das atividades diárias.
Portanto, a barreira de tempo
que separa os sedentários dos ativos é de 30 minutos, num dia de
24 horas, para quem estiver disposto a andar. Ou de míseros 15
minutos, para os que decidirem
subir escadas.
Se você vive num daqueles infernos, sem tempo para nada,
ainda lhe resta a alternativa de
fracionar esses números: andar 15
minutos duas vezes por dia ou subir escadas durante cinco minutos, três vezes por dia. Não venha
com desculpas, sempre é possível
andar; sempre existe uma escada
por perto.
Mas, se você está disposto a mudar de vida na virada do ano, não
esqueça: é preciso disciplina militar, não espere que a disposição
venha por conta própria, porque
desperdiçar energia é contra a
natureza humana. Por outro lado, o corpo parado se desgasta
mais depressa, sofre e dura menos. O corpo humano é uma máquina construída para o movimento.
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