São Paulo, segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

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A biografia de Papai Noel

Livro narra gênese do personagem natalino e mostra seu uso por movimentos sócio-políticos, comércio e show business

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele já cruzou os braços (por obra de grupos socialistas) para protestar contra monópolios e trustes e serviu de metáfora para as benesses distribuídas por George W. Bush entre os financiadores de sua campanha à reeleição, em 2004.
Também foi garoto-propaganda de sapatos, cremes de barbear, rifles, bebidas alcoólicas e preservativos (feitos à sua imagem e semelhança, seja lá o que isso for), além de combatente simbólico nas trincheiras da Segunda Guerra e dos conflitos na Coréia e no Vietnã.
Nas horas vagas, consta que andou por aí de canoa, prancha, bimotor, tanque e mesmo trenó (puxado por cangurus ou, vá lá, renas) distribuindo presentes e ajudando pais incautos a disciplinar a cria.
A trajetória sui generis do barbudo mais célebre do Pólo Norte é passada a limpo em "Papai Noel: Uma Biografia", do historiador canadense Gerry Bowler. Da gênese do presenteador bonachão à sua apropriação pela máquina capitalista de publicidade e entretenimento, passando pela cooptação do personagem por movimentos sociais e políticos, o livro mostra como ele tem servido a todo tipo de propósito sem se tornar anacrônico.
Em entrevista por e-mail à Folha, Bowler conta que o trabalho de pesquisa sobre o "biografado" levou cinco anos. Ele diz que optou pela não-ficção porque "Papai Noel tem uma presença enorme na vida de centenas de milhões de pessoas". "Ele dá emprego a muitos, é parte da vida familiar mundo afora e inspirou um sem-número de histórias, músicas e filmes. Ele é mais real do que muitos seres humanos."
Exagero ou não, o fato é que, antes de desfilar em trajes vermelhos, o presenteador natalino foi um bispo de carne e osso que viveu no século 4, naquilo que é a costa da atual Turquia.
Nicolau (depois declarado santo, daí a designação Santa Claus em inglês) era um senhorzinho de 1,68 m, nariz quebrado, queixo e testa proeminentes que, por conta de seus milagres, foi cultuado em toda a Europa. Quando vieram as revoluções religiosas do século 16, a adoração a divindades medievais caducou e São Nicolau perdeu cartaz.

Austeridade
A tarefa de presentear passou então a ser desempenhada por uma galeria de personagens que incluía espantalhos, feiticeiras, demônios, fadas e reis. A partir de 1810, eles deram lugar a um Papai Noel ainda austero, com uma vara para castigar os indisciplinados.
Foram o autor William Gilley, em 1821, e o ilustrador Haddon Sundblom, um século depois, que definiram as bases do imaginário que atualmente cerca o personagem. O primeiro introduziu as renas, o trenó e o cenário invernal; ao segundo, couberam as roupas escarlates.
Nessa virada para o século 20, o comércio viu na associação com as virtudes do personagem (pontualidade de entrega e produção artesanal) uma arma para seduzir a clientela.
"Mas seria um erro ver Papai Noel primordialmente como uma ferramenta do capitalismo. Já havia presenteadores mágicos bem antes da Revolução Industrial e da produção de bens em massa -que coincidiu com o surgimento de Papai Noel. O Natal pode existir sem consumismo", afirma Bowler.

Caridade x consumismo
A reportagem insiste: mas não é justamente a condição paradoxal do personagem (ícone da extravagância consumista natalina e garoto-propaganda de ações de caridade) que o mantém moderno?
O historiador se sai com esta: "Creio que o imaginamos como um sujeito idoso, gordo e bonachão por motivos psicológicos e sociais bem definidos. Ele é velho porque essa é a idade em que se consegue ser próspero e generoso. Ele é gordo porque representa excesso e celebração, não economia e autodisciplina. E é bonachão pois o Natal é época de alegria." E arremata: "Se Papai Noel não existisse, teríamos que inventar alguém idêntico a ele".
O que, convenhamos, seria um tanto custoso. No livro, Bowler mostra que, para chegar ao perfil atual, além de fazer incursões pela publicidade, o personagem estrelou filmes (como "Milagre na Rua 34", reprisado ad nauseum por aqui, hoje inclusive -ver pág. E8) e inspirou compositores (vide o Irving Berlin de "White Christmas").
Além disso, surgiu no front repetidas vezes (em cartuns e contos) para levantar o ânimo das tropas com lembranças da vida familiar. Ou da sexual, como fazia uma ilustração gaiata publicada numa revista francesa em 1916, em que se via um Papai Noel trazer aos soldados um trenó cheio de donzelas.


PAPAI NOEL: UMA BIOGRAFIA
Autor:
Gerry Bowler
Tradução: Cristina Cupertino
Editora: Planeta
Quanto: R$ 37,50 (255 págs.)


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