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A biografia de Papai Noel
Livro narra gênese do personagem natalino e mostra seu uso por movimentos sócio-políticos, comércio e show business
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Ele já cruzou os braços (por
obra de grupos socialistas) para
protestar contra monópolios e
trustes e serviu de metáfora para as benesses distribuídas por
George W. Bush entre os financiadores de sua campanha à
reeleição, em 2004.
Também foi garoto-propaganda de sapatos, cremes de
barbear, rifles, bebidas alcoólicas e preservativos (feitos à sua
imagem e semelhança, seja lá o
que isso for), além de combatente simbólico nas trincheiras
da Segunda Guerra e dos conflitos na Coréia e no Vietnã.
Nas horas vagas, consta que
andou por aí de canoa, prancha,
bimotor, tanque e mesmo trenó (puxado por cangurus ou, vá
lá, renas) distribuindo presentes e ajudando pais incautos a
disciplinar a cria.
A trajetória sui generis do
barbudo mais célebre do Pólo
Norte é passada a limpo em
"Papai Noel: Uma Biografia",
do historiador canadense
Gerry Bowler. Da gênese do
presenteador bonachão à sua
apropriação pela máquina capitalista de publicidade e entretenimento, passando pela
cooptação do personagem por
movimentos sociais e políticos,
o livro mostra como ele tem
servido a todo tipo de propósito
sem se tornar anacrônico.
Em entrevista por e-mail à
Folha, Bowler conta que o trabalho de pesquisa sobre o "biografado" levou cinco anos. Ele
diz que optou pela não-ficção
porque "Papai Noel tem uma
presença enorme na vida de
centenas de milhões de pessoas". "Ele dá emprego a muitos, é parte da vida familiar
mundo afora e inspirou um
sem-número de histórias, músicas e filmes. Ele é mais real do
que muitos seres humanos."
Exagero ou não, o fato é que,
antes de desfilar em trajes vermelhos, o presenteador natalino foi um bispo de carne e osso
que viveu no século 4, naquilo
que é a costa da atual Turquia.
Nicolau (depois declarado
santo, daí a designação Santa
Claus em inglês) era um senhorzinho de 1,68 m, nariz quebrado, queixo e testa proeminentes que, por conta de seus milagres, foi cultuado em toda a
Europa. Quando vieram as revoluções religiosas do século
16, a adoração a divindades medievais caducou e São Nicolau
perdeu cartaz.
Austeridade
A tarefa de presentear passou então a ser desempenhada
por uma galeria de personagens que incluía espantalhos,
feiticeiras, demônios, fadas e
reis. A partir de 1810, eles deram lugar a um Papai Noel ainda austero, com uma vara para
castigar os indisciplinados.
Foram o autor William Gilley, em 1821, e o ilustrador
Haddon Sundblom, um século
depois, que definiram as bases
do imaginário que atualmente
cerca o personagem. O primeiro introduziu as renas, o trenó e
o cenário invernal; ao segundo,
couberam as roupas escarlates.
Nessa virada para o século
20, o comércio viu na associação com as virtudes do personagem (pontualidade de entrega e produção artesanal) uma
arma para seduzir a clientela.
"Mas seria um erro ver Papai
Noel primordialmente como
uma ferramenta do capitalismo. Já havia presenteadores
mágicos bem antes da Revolução Industrial e da produção de
bens em massa -que coincidiu
com o surgimento de Papai
Noel. O Natal pode existir sem
consumismo", afirma Bowler.
Caridade x consumismo
A reportagem insiste: mas
não é justamente a condição
paradoxal do personagem (ícone da extravagância consumista natalina e garoto-propaganda de ações de caridade) que o
mantém moderno?
O historiador se sai com esta:
"Creio que o imaginamos como
um sujeito idoso, gordo e bonachão por motivos psicológicos e
sociais bem definidos. Ele é velho porque essa é a idade em
que se consegue ser próspero e
generoso. Ele é gordo porque
representa excesso e celebração, não economia e autodisciplina. E é bonachão pois o Natal
é época de alegria."
E arremata: "Se Papai Noel
não existisse, teríamos que inventar alguém idêntico a ele".
O que, convenhamos, seria
um tanto custoso. No livro, Bowler mostra que, para chegar ao
perfil atual, além de fazer incursões pela publicidade, o personagem estrelou filmes (como
"Milagre na Rua 34", reprisado
ad nauseum por aqui, hoje inclusive -ver pág. E8) e inspirou
compositores (vide o Irving
Berlin de "White Christmas").
Além disso, surgiu no front
repetidas vezes (em cartuns e
contos) para levantar o ânimo
das tropas com lembranças da
vida familiar. Ou da sexual, como fazia uma ilustração gaiata
publicada numa revista francesa em 1916, em que se via um
Papai Noel trazer aos soldados
um trenó cheio de donzelas.
PAPAI NOEL: UMA BIOGRAFIA
Autor: Gerry Bowler
Tradução: Cristina Cupertino
Editora: Planeta
Quanto: R$ 37,50 (255 págs.)
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