São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2004

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CRÍTICA

"Dia Dia" busca domesticidade da mulher

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Ela é um azougue. Porta-se diante das câmeras de TV como se estas fossem invisíveis, circula com uma desenvoltura surpreendente pelo cenário e fala sem parar, aparentemente o que vier à cabeça. Sua movimentação incessante tem uma espécie de efeito hipnótico -não é possível tirar os olhos dela, quase que é difícil piscar.
Ela enche a tela de TV. Não parece ter nenhum tipo de inibição. Deveríamos a esta altura usar a palavra espontaneidade, mas ela não parece se aplicar a um profissional experiente de TV.
É mais um jeito quase imperceptível, ou muito sutil, de manipular a própria exposição e ter sob controle preciso suas ações e reações do que propriamente espontaneidade.
Ela é Viviane Romanelli e a tentação aqui é de escrever que ela é um perfeito animal televisivo, caso não soasse grosseiro.
Mas já que já foi, cabe explicar que qualificar como "animal" nada pretende de pejorativo, mas é usado no intuito de reforçar as qualidades instintivas, naturais que a apresentadora exibe na TV desde que estrelava o "TV UD", programa de venda de quinquilharias domésticas no ShopTime.
Lá, a habilidade de Viviane Romanelli diante das câmeras ainda era mais impressionante, dado que passava horas fritando uns bifes gordurentos na chapa, assando pães e fazendo minipizzas em quantidades industriais para demonstrar as virtudes de aparelhos eletroeletrônicos tão desnecessários quanto caros.
Agora, à frente do "Dia Dia", o programa matutino da rede Bandeirantes que estreou na semana passada, a apresentadora sustenta três horas e meia de atrações mais variadas, mas que não fogem ao batido pot-pourri de temas ditos femininos.
Receitas, entrevistas ligeiras, trabalhos manuais, dicas de moda e beleza e, claro, consumo de inutilidades parecem constituir o universo da mulher que assiste à TV de manhã.
Atacada por uma alegria compulsória, Romanelli até que se esforça para dar algum ar de frescor às receitas óbvias, ao artesanato chinfrim, às atrações musicais em fim de linha.
Com a promessa de ajudar as donas-de-casa a tornarem seu cotidiano massacrante mais vivo, interessante ou rentável, revestem-se de falso brilho de novidade as mesmas tarefas de sempre.
Ela, Romanelli, com sua simpatia desastrada, tenta, mas as atrações são que vêm, de origem, apagadas em sua monotonia.
A catarse acontece mesmo diante de um daqueles indecifráveis produtos de televenda. Eles são versáteis, completos, quase miraculosos e, mais, vêm acompanhados por uma infinidade de acessórios.
Na presença de um deles, Viviane Romanelli se ilumina, mesmo que no programa novo não seja ela a apresentar a engenhoca. Ali parece estar a redenção definitiva, ao alcance de apenas algumas prestações, para a chatice do trabalho doméstico.

E-mail: biabramo.tv@uol.com.br


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