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CRÍTICA
"Dia Dia" busca domesticidade da mulher
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Ela é um azougue. Porta-se
diante das câmeras de TV
como se estas fossem invisíveis,
circula com uma desenvoltura
surpreendente pelo cenário e fala
sem parar, aparentemente o que
vier à cabeça. Sua movimentação
incessante tem uma espécie de
efeito hipnótico -não é possível
tirar os olhos dela, quase que é
difícil piscar.
Ela enche a tela de TV. Não parece ter nenhum tipo de inibição.
Deveríamos a esta altura usar a
palavra espontaneidade, mas ela
não parece se aplicar a um profissional experiente de TV.
É mais um jeito quase imperceptível, ou muito sutil, de manipular a própria exposição e ter
sob controle preciso suas ações e
reações do que propriamente espontaneidade.
Ela é Viviane Romanelli e a tentação aqui é de escrever que ela é
um perfeito animal televisivo, caso não soasse grosseiro.
Mas já que já foi, cabe explicar
que qualificar como "animal"
nada pretende de pejorativo, mas
é usado no intuito de reforçar as
qualidades instintivas, naturais
que a apresentadora exibe na TV
desde que estrelava o "TV UD",
programa de venda de quinquilharias domésticas no ShopTime.
Lá, a habilidade de Viviane Romanelli diante das câmeras ainda
era mais impressionante, dado
que passava horas fritando uns
bifes gordurentos na chapa, assando pães e fazendo minipizzas
em quantidades industriais para
demonstrar as virtudes de aparelhos eletroeletrônicos tão desnecessários quanto caros.
Agora, à frente do "Dia Dia", o
programa matutino da rede Bandeirantes que estreou na semana
passada, a apresentadora sustenta três horas e meia de atrações
mais variadas, mas que não fogem ao batido pot-pourri de temas ditos femininos.
Receitas, entrevistas ligeiras,
trabalhos manuais, dicas de moda e beleza e, claro, consumo de
inutilidades parecem constituir o
universo da mulher que assiste à
TV de manhã.
Atacada por uma alegria compulsória, Romanelli até que se esforça para dar algum ar de frescor às receitas óbvias, ao artesanato chinfrim, às atrações musicais em fim de linha.
Com a promessa de ajudar as
donas-de-casa a tornarem seu
cotidiano massacrante mais vivo,
interessante ou rentável, revestem-se de falso brilho de novidade as mesmas tarefas de sempre.
Ela, Romanelli, com sua simpatia desastrada, tenta, mas as atrações são que vêm, de origem,
apagadas em sua monotonia.
A catarse acontece mesmo
diante de um daqueles indecifráveis produtos de televenda. Eles
são versáteis, completos, quase
miraculosos e, mais, vêm acompanhados por uma infinidade de
acessórios.
Na presença de um deles, Viviane Romanelli se ilumina, mesmo que no programa novo não
seja ela a apresentar a engenhoca.
Ali parece estar a redenção definitiva, ao alcance de apenas algumas prestações, para a chatice do
trabalho doméstico.
E-mail: biabramo.tv@uol.com.br
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