São Paulo, terça-feira, 25 de janeiro de 2005

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VÍDEO

Cezar Migliorin, que já trabalhou em longas como "O Quatrilho", diz que pretende questionar o audiovisual brasileiro

Artista oferece US$ 1.000 para ter "autoria" de filme

DA REPORTAGEM LOCAL

O que faz um artista sem idéia? Compra uma. É assim, com uma dose de ironia e outra boa de coragem e cara-de-pau, que o carioca Cezar Migliorin, 35, está "produzindo" seu próximo trabalho.
Em um e-mail distribuído a "artistas, realizadores, produtores e amigos", Migliorin vai direto ao ponto: "Estou oferecendo US$ 1.000 por um filme/vídeo de qualquer duração captado em qualquer formato". E acrescenta: "O projeto tem apenas três regras invioláveis: 1) A obra deve estar pronta e ser inédita; 2) Uma vez vendida, os direitos sobre a obra serão integralmente cedidos a mim, Cezar Migliorin; 3) A obra não será alterada, com exceção dos créditos, onde passará a constar: um filme/vídeo de Cezar Migliorin". Seguem o endereço de correspondência e a observação de que a data-limite para envio de material será 20 de março.
Por e-mail, as respostas começaram a chegar. Até agora duas contendo vídeos e dezenas de outras esbravejando contra a (falta de?) idéia. "A principal crítica que venho recebendo se relaciona com a noção de que o autor continua numa posição muito privilegiada, que o seu trabalho não pode ser trocado em valor econômico, como se tivesse uma subjetividade muito profunda, uma visão de mundo que só ele tem", provoca Migliorin. Doutorando em comunicação pela UFRJ e responsável pela montagem ou a edição de som em longas como "Carlota Joaquina" e "O Quatrilho", Migliorin realiza trabalhos próprios desde 2001, "algo entre o documentário e a videoarte", diz.
No ano passado, teve uma de suas obras, o filme "Ação e Dispersão", premiada no Festival Viper Basel, na Suíça, com US$ 4.000 -metade desse valor será usada para pagar a compra do vídeo e a produção do projeto "Artista sem Idéia". "Ação" é uma espécie de road movie que passa pelo Brasil, México, EUA e Portugal e que documenta o artista gastando cada centavo de um prêmio incentivo recebido da Petrobras na produção do próprio filme.
"No "Ação e Dispersão" algumas reações foram muito fortes também. Diziam que era um projeto de mau gosto", conta. "Talvez a única forma de pensar um determinado estado de coisas seja explicitando a sua lógica, aí o mau gosto aparece. Mas quanto tempo dura o mau gosto? Uma década, um dia? Questões de gosto na arte são tão desprovidas de robustez que eu tenderia a desprezá-las."
Mais do que o "efeito Caras" -"botar o nome nos créditos é uma forma de aparecer"-, Migliorin procura apontar, nesse novo trabalho, a cultura de editais de patrocínio que se instalou na arte brasileira nos últimos anos. "Há alguns anos o audiovisual vive de editais. É uma grande humilhação para o artista participar desses editais. Colocar um logo da Petrobras antes do filme tudo bem, colocar 20 logos de padarias e bancos antes do filme, tudo bem, mas tirar o seu nome vira um insulto. A diferença aqui não é de natureza, mas de grau", critica.
Ainda que, na tendência tão em voga hoje da arte-processo, sua obra corra o risco de ficar só no próprio edital e na documentação das diversas reações a ele, o artista defende que vai levar a proposta até o fim. "Quem for assistir vai se relacionar não só com o que está vendo, mas com questões do direito autoral, desses editais malucos, da própria forma como o audiovisual está organizado hoje."
Em tempo: trabalhos para o artista sem idéia podem ser enviados, em DVD ou VHS, para r. Nascimento Silva, 137/302, Rio de Janeiro, CEP 22421-020. Mais informações podem ser obtidas no site www.migliorin.org.
(DIEGO ASSIS)

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