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VÍDEO
Cezar Migliorin, que já trabalhou em longas como "O Quatrilho", diz que pretende questionar o audiovisual brasileiro
Artista oferece US$ 1.000 para ter "autoria" de filme
DA REPORTAGEM LOCAL
O que faz um artista sem idéia?
Compra uma. É assim, com uma
dose de ironia e outra boa de coragem e cara-de-pau, que o carioca Cezar Migliorin, 35, está "produzindo" seu próximo trabalho.
Em um e-mail distribuído a "artistas, realizadores, produtores e
amigos", Migliorin vai direto ao
ponto: "Estou oferecendo US$
1.000 por um filme/vídeo de qualquer duração captado em qualquer formato". E acrescenta: "O
projeto tem apenas três regras invioláveis: 1) A obra deve estar
pronta e ser inédita; 2) Uma vez
vendida, os direitos sobre a obra
serão integralmente cedidos a
mim, Cezar Migliorin; 3) A obra
não será alterada, com exceção
dos créditos, onde passará a constar: um filme/vídeo de Cezar Migliorin". Seguem o endereço de
correspondência e a observação
de que a data-limite para envio de
material será 20 de março.
Por e-mail, as respostas começaram a chegar. Até agora duas
contendo vídeos e dezenas de outras esbravejando contra a (falta
de?) idéia. "A principal crítica que
venho recebendo se relaciona
com a noção de que o autor continua numa posição muito privilegiada, que o seu trabalho não pode ser trocado em valor econômico, como se tivesse uma subjetividade muito profunda, uma visão
de mundo que só ele tem", provoca Migliorin. Doutorando em comunicação pela UFRJ e responsável pela montagem ou a edição de
som em longas como "Carlota
Joaquina" e "O Quatrilho", Migliorin realiza trabalhos próprios
desde 2001, "algo entre o documentário e a videoarte", diz.
No ano passado, teve uma de
suas obras, o filme "Ação e Dispersão", premiada no Festival Viper Basel, na Suíça, com US$
4.000 -metade desse valor será
usada para pagar a compra do vídeo e a produção do projeto "Artista sem Idéia". "Ação" é uma espécie de road movie que passa pelo Brasil, México, EUA e Portugal
e que documenta o artista gastando cada centavo de um prêmio incentivo recebido da Petrobras na
produção do próprio filme.
"No "Ação e Dispersão" algumas
reações foram muito fortes também. Diziam que era um projeto
de mau gosto", conta. "Talvez a
única forma de pensar um determinado estado de coisas seja explicitando a sua lógica, aí o mau
gosto aparece. Mas quanto tempo
dura o mau gosto? Uma década,
um dia? Questões de gosto na arte
são tão desprovidas de robustez
que eu tenderia a desprezá-las."
Mais do que o "efeito Caras"
-"botar o nome nos créditos é
uma forma de aparecer"-, Migliorin procura apontar, nesse novo trabalho, a cultura de editais de
patrocínio que se instalou na arte
brasileira nos últimos anos. "Há
alguns anos o audiovisual vive de
editais. É uma grande humilhação
para o artista participar desses
editais. Colocar um logo da Petrobras antes do filme tudo bem, colocar 20 logos de padarias e bancos antes do filme, tudo bem, mas
tirar o seu nome vira um insulto.
A diferença aqui não é de natureza, mas de grau", critica.
Ainda que, na tendência tão em
voga hoje da arte-processo, sua
obra corra o risco de ficar só no
próprio edital e na documentação
das diversas reações a ele, o artista
defende que vai levar a proposta
até o fim. "Quem for assistir vai se
relacionar não só com o que está
vendo, mas com questões do direito autoral, desses editais malucos, da própria forma como o audiovisual está organizado hoje."
Em tempo: trabalhos para o artista sem idéia podem ser enviados, em DVD ou VHS, para r.
Nascimento Silva, 137/302, Rio de
Janeiro, CEP 22421-020. Mais informações podem ser obtidas no
site www.migliorin.org.
(DIEGO ASSIS)
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