São Paulo, quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

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Cinema/estréia

"A TV contribui com o cinema"

Guel Arraes rebate crítica de Walter Salles sobre "invasão da estética televisiva" nos filmes nacionais

Diretor assina roteiro de "A Grande Família - O Filme", que estréia hoje em SP, e diz que fronteira entre popular e experimental foi rompida


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O seriado "A Grande Família", há seis anos no ar na TV, é um produto do "núcleo Guel Arraes", como a Globo denomina a área de influência criativa do diretor que levou para a emissora experimentos como "TV Pirata", "Comédia da Vida Privada" e "Cena Aberta".
"A Grande Família - O Filme" -que estréia hoje em SP e amanhã nos demais Estados, com a ambição de ser o mais popular título nacional de 2007- tem a assinatura de Arraes no roteiro, ao lado de Cláudio Paiva.
A atuação do autor de sucessos da telona como "O Auto da Compadecida" e "Lisbela e o Prisioneiro" se reflete, porém, em toda a produção do filme. A seguir, Arraes fala de cinema e TV e rebate opinião manifestada pelo diretor Walter Salles.

 

FOLHA - Qual é a especificidade do cinema em relação à TV?
GUEL ARRAES -
Existe um cinema mais popular e um mais experimental. Antigamente, os filmes brasileiros populares eram os infantis, de Renato Aragão, e, mais recentemente, os de Xuxa. De uns anos para cá, o cinema popular ficou muito variado e interessante. Filmes como "Cidade de Deus" [Fernando Meirelles, 2002] romperam a fronteira do que é experimental e do que é popular. O leque abriu, e parece que isso aumentou a implicância das pessoas.
Antes, passado um período de implicância com Renato Aragão, o próprio pessoal do cinema novo dizia que era legal conquistar público para o cinema brasileiro. Hoje em dia, que você tem, além de Renato Aragão, um monte de outras coisas, vejo as pessoas meio mal-humoradas com isso.
O cinema popular obviamente vai se aproximar de uma TV brasileira popular, que contribuiu para ele, com a qualidade, com a inspiração, com seus artistas e técnicos. Esse tipo de filme não me parece ter ameaçado o cinema experimental, que tem uma produção muito variada também.

FOLHA - Quando cita a "implicância" com o cinema que se aproxima da TV, você se refere à recente declaração do diretor Walter Salles de que "o cinema brasileiro está sendo invadido pela estética televisiva"?
ARRAES -
Sim. É um pouco isso.

FOLHA - Como você define a "estética televisiva"?
ARRAES -
Acho essa discussão bizantina. A transmissão de uma partida de futebol é comparável com a novela, que é comparável com um filme que passa na TV? Televisão não é um estilo, é um veículo, um lugar onde se congregam todos os tipos de formatos.

FOLHA - A resistência à idéia de que a TV possa contribuir com o cinema tem a ver com o estado de "subdesenvolvimento" industrial do cinema brasileiro, que o deixa propenso a viver no nicho experimental?
ARRAES -
Quando se pensa a relação cinema-TV no Brasil, pensa-se com moldes importados. Toda essa discussão crítica vem de realidades bastante diferentes. O público francês ama o cinema francês, assim como o público brasileiro ama a TV brasileira. Somos um país pobre. A TV é de graça.
A Globo tem talvez o ciclo mais longo e ininterrupto de produção de ficção no Brasil. Nunca o cinema teve um ciclo desses. Parece-me que ninguém tomou muita consciência da importância da TV no Brasil, de seu papel, para o bem ou para o mal, na formação de mentalidades, da participação que ela tem na cultura pop brasileira. Acho que os intelectuais deveriam se debruçar um pouco mais sobre a televisão, com menos preconceito.

FOLHA - As sessões de "A Grande Família - O Filme" serão antecedidas do trailer de "Ó, Paí, Ó", de Monique Gardenberg. O público brasileiro está preparado para abraçar um filme baiano, com elenco 99% negro?
ARRAES -
Depois de "Cidade de Deus" no cinema e de "Cidade dos Homens" na TV, acho que sim. "Ó, Paí, Ó" é o equivalente baiano de "Antônia" e de "Cidade dos Homens". Participa desse movimento da chegada da periferia na central.

FOLHA - De que trata seu próximo filme, "Romance"?
ARRAES -
É um roteiro que fiz com Jorge Furtado. Um casal de atores monta "Tristão e Isolda", a história que está na origem do amor romântico. Em contraponto a esse amor-paixão, eles tentam viver um amor contemporâneo, mais à altura da nossa fragilidade. Há ainda um subcódigo da representação, na montagem da peça.

FOLHA - Parece ser um filme com perfil para o Festival de Cannes.
ARRAES -
Já pensou? Quando chegar lá, vou falar mal da TV. (Risos)


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