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Crítica
Gus Van Sant chega ao ápice da carreira em "Paranoid Park"
Filme tem frescor narrativo do anterior "Elefante", mas seu tema é mais complexo
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Para Gus Van Sant, a adolescência não é, nunca
foi, essa idade de transição em que não somos nem jovens, nem adultos. Ela é, ao
contrário, uma idade de plenitude: o jovem é adulto e criança, anjo e demônio, experimenta sensações contraditórias e
tem a responsabilidade de desvendar o mundo que o desafia
com seus enigmas (o da sexualidade, em particular), flutua
soberbo em seu skate, mas seus
passos e olhos carregam incertezas colossais.
Esse rapaz que, seguido pela
câmera, caminha ao ar livre
com seu corpo um pouco desengonçado -ainda não domado para os deveres sociais da
idade adulta-, carregando um
caderno, parece indefeso por
vezes. Assim é Alex, o herói, por
assim dizer, de "Paranoid
Park". Em outros momentos,
esse rosto, esses olhos, fecham-se à compreensão do mundo e
mentem com desenvoltura.
O que aconteceu realmente?
A história é contada por Alex,
que a coloca em seu caderno
meio fora de ordem (como o filme), seguindo o conselho de
uma amiga: o importante é escrever. Desabafar.
O que aconteceu? No começo
não sabemos nada. Alex é chamado à secretaria do colégio
em plena aula e responde às
questões de um detetive. Onde
passou a noite? Com quem?
Onde comeu? O que comeu?
Enganou os pais? Etc. Pouco
mais que um interrogatório familiar. Mas sabemos que algo
aconteceu. Talvez um crime.
Do outro lado está Paranoid
Park. Espaço de liberdade e
contravenção. O mundo é cheio
de contradições, o Park também. Alex não é diferente.
O que houve, afinal? Um
guarda ferroviário morreu. Dizer morreu é pouco: caiu na via
férrea e foi cortado em dois por
um trem. Ele foi empurrado, e
os exames detectaram que o
empurrão poderia ter sido dado
por um skate. Desde então estamos no momento Fritz Lang,
no território do mistério pleno:
o desse momento em que um
homem quase por acaso pratica
um ato impensado, ou casual, e
passa a carregar a culpa em si.
Esse é também o caso de
Alex, talvez acrescido pela ambigüidade (ou plenitude) da
adolescência: ele está envolvido nesse caso. Ele viverá a culpa
e a inocência desse instante.
Desse material, Gus Van Sant
extrairá o que é quase certamente sua obra-prima em todos os níveis. A escrita do roteiro tem o frescor narrativo de
"Elefante", mas o tema, menos
espetacular, é mais complexo.
A montagem, tanto de imagem como de som, acentua a
ambigüidade das situações e
enriquece seu sentido. A alternância de locações e situações
tanto evita a monotonia dos espaços e dos tempos quanto abre
nossa visão para um panorama
bem amplo da vida nessa idade
(sobretudo porque acompanhada por uma câmera viva e
variada). O colorido da linguagem coincide aqui com a beleza
da trama e com a tensão de um
suspense de que "Paranoid
Park" raramente se desvia. É
um filme para ficar.
PARANOID PARK
Direção: Gus Van Sant
Produção: França/EUA, 2007
Com: Gabe Nevins, Dan Liu e Jake Miller
Onde: a partir de hoje no Unibanco
Arteplex, HSBC Belas Artes e Reserva Cultural
Avaliação: ótimo
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