São Paulo, sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

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Crítica

Gus Van Sant chega ao ápice da carreira em "Paranoid Park"

Filme tem frescor narrativo do anterior "Elefante", mas seu tema é mais complexo

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Para Gus Van Sant, a adolescência não é, nunca foi, essa idade de transição em que não somos nem jovens, nem adultos. Ela é, ao contrário, uma idade de plenitude: o jovem é adulto e criança, anjo e demônio, experimenta sensações contraditórias e tem a responsabilidade de desvendar o mundo que o desafia com seus enigmas (o da sexualidade, em particular), flutua soberbo em seu skate, mas seus passos e olhos carregam incertezas colossais.
Esse rapaz que, seguido pela câmera, caminha ao ar livre com seu corpo um pouco desengonçado -ainda não domado para os deveres sociais da idade adulta-, carregando um caderno, parece indefeso por vezes. Assim é Alex, o herói, por assim dizer, de "Paranoid Park". Em outros momentos, esse rosto, esses olhos, fecham-se à compreensão do mundo e mentem com desenvoltura. O que aconteceu realmente?
A história é contada por Alex, que a coloca em seu caderno meio fora de ordem (como o filme), seguindo o conselho de uma amiga: o importante é escrever. Desabafar. O que aconteceu? No começo não sabemos nada. Alex é chamado à secretaria do colégio em plena aula e responde às questões de um detetive. Onde passou a noite? Com quem? Onde comeu? O que comeu?
Enganou os pais? Etc. Pouco mais que um interrogatório familiar. Mas sabemos que algo aconteceu. Talvez um crime. Do outro lado está Paranoid Park. Espaço de liberdade e contravenção. O mundo é cheio de contradições, o Park também. Alex não é diferente.
O que houve, afinal? Um guarda ferroviário morreu. Dizer morreu é pouco: caiu na via férrea e foi cortado em dois por um trem. Ele foi empurrado, e os exames detectaram que o empurrão poderia ter sido dado por um skate. Desde então estamos no momento Fritz Lang, no território do mistério pleno: o desse momento em que um homem quase por acaso pratica um ato impensado, ou casual, e passa a carregar a culpa em si.
Esse é também o caso de Alex, talvez acrescido pela ambigüidade (ou plenitude) da adolescência: ele está envolvido nesse caso. Ele viverá a culpa e a inocência desse instante. Desse material, Gus Van Sant extrairá o que é quase certamente sua obra-prima em todos os níveis. A escrita do roteiro tem o frescor narrativo de "Elefante", mas o tema, menos espetacular, é mais complexo.
A montagem, tanto de imagem como de som, acentua a ambigüidade das situações e enriquece seu sentido. A alternância de locações e situações tanto evita a monotonia dos espaços e dos tempos quanto abre nossa visão para um panorama bem amplo da vida nessa idade (sobretudo porque acompanhada por uma câmera viva e variada). O colorido da linguagem coincide aqui com a beleza da trama e com a tensão de um suspense de que "Paranoid Park" raramente se desvia. É um filme para ficar.


PARANOID PARK
Direção:
Gus Van Sant
Produção: França/EUA, 2007
Com: Gabe Nevins, Dan Liu e Jake Miller
Onde: a partir de hoje no Unibanco Arteplex, HSBC Belas Artes e Reserva Cultural
Avaliação: ótimo


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