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CARLOS HEITOR CONY
Dois romancistas e um filho
Não me considero culpado de falta para com a memória dos dois mestres literários
JANEIRO DE 2000 - Caiu do céu
um pretexto para desistir da
Academia. Em agosto passado,
quando morreu o Herberto Sales,
fui apanhado de surpresa pelos amigos de lá e não tive como reagir.
Recebi hoje amável cartão do Josué Montello encaminhando cópia
da carta que ele escreveu ao presidente da Academia, solicitando que
seja recolhido o livro que a diretoria
anterior mandou distribuir como
relatório das atividades acadêmicas
em 1999.
Entre outras considerações sobre
a publicação, Josué dá destaque ao
recorte de uma revista ("Veja") que
comentou, à maneira dela, as duas
crônicas que escrevi logo após o júri
promovido pela Folha sobre o suposto adultério de Capitu.
Fiz parte do júri que tinha como
mérito mostrar a força de Machado de Assis: cem anos após a publicação de seu romance, ele era discutido num auditório lotado, em
sessão presidida por um ministro
do Supremo Tribunal Federal (Sepúlveda Pertence), com advogados
e testemunhas de defesa (Rosiska)
e acusação (eu próprio).
Logo após o júri, publiquei duas
crônicas sobre o assunto, tendo como base o relato de Humberto de
Campos sobre uma visita que ele
fizera a seu médico, Afonso Mac
Dowell, o qual lhe revelara que Mário de Alencar, filho de José de
Alencar, era na verdade filho de
Machado de Assis. Donde a conclusão, não minha, mas de Humberto
de Campos: o filho de Capitu era a
transposição para o romance de
um fato real vivido por Machado
de Assis.
O "Diário Secreto" foi publicado
anos após a sua morte, primeiramente em "O Cruzeiro". Com tiragem de 700 mil exemplares, era a
principal vitrine da vida brasileira.
Posteriormente, o mesmo diário
foi publicado em livro (possuo a segunda edição, o que mostra que
não se trata de obra clandestina).
A revista que comentou minhas
duas crônicas considerou-as como
"mexerico" (palavra defasada, só
possível num texto mal escrito). E
transcreveu o trecho do Humberto
de Campos, transferindo desta maneira o mexerico para o cronista
maranhense. Limitei-me a citá-lo.
Josué foi mencionado na matéria, é atualmente o maior conhecedor da vida de Machado de Assis.
Também foi citado o Antônio Olinto, que lembrou o fato de Mário de
Alencar tratar Machado como pai
em suas cartas -o que nada significa, além da expressão de um carinho especial. Mário ficou devendo
sua entrada para a Academia a Machado. Fato que Magalhães Jr., citado também por mim, atribuía ao
"nepotismo" do primeiro presidente da ABL.
Como se nota, uma polêmica bizantina, com um toque de mau
gosto, só justificada pela realização
do júri e pelo interesse que o caso
Capitu ainda desperta na literatura
nacional.
A diretoria da Academia, no
exercício de 1999, ao publicar em
livro a repercussão de suas atividades na mídia, incluiu a matéria da
revista -e o Josué, zeloso guardião
da honra dos grandes ícones das
nossas letras, principalmente de
Machado e Alencar, considerou
um "achincalhe à honra e à dignidade de um dos nossos confrades".
E falando de Alencar, diz que o
romancista "compartiu a sua vida
digna com uma alta dama da sociedade fluminense, a Exma. Senhora
D. Georgiana Cockrane de Alencar,
com quem teve seis filhos" - cito
textualmente a carta de Montello.
Este é o fato que me dá pretexto
para tirar meu time de campo. No
mérito da questão, eu me limitara a
lembrar o trecho do "Diário Secreto" de Humberto de Campos. Se
houve achincalhe, como diz o Josué, não foi de minha parte.
Não tenho culpa de a revista ter
aproveitado o episódio, de interesse restrito à vida literária, para tentar fazer um escândalo às custas de
Alencar e Machado. Não me considero culpado de qualquer falta para com a memória dos dois mestres. São personalidades públicas,
pertencem à nossa história, como
Victor Hugo e Sainte-Beuve pertencem à história da França.
Desditas conjugais são comuns,
dentro e fora da literatura, bastando lembrar Júlio César, Napoleão,
Luiz 16, d. João 6º. A lista é enorme
e realmente universal, parece que
começou com Abraão, que apresentava sua mulher, Sara, como
sua irmã aos reis do deserto -o que
transformou o Pai dos Crentes
num verdadeiro patriarca.
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