São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2009

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DVDs

Crítica/"Saudações"

Jovem De Palma ri dos anos 60

Segundo longa do cineasta, de 1968, traz clima anárquico da contracultura, além de Robert De Niro

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Brian De Palma ganhou notoriedade pelos thrillers fortemente hitchcockianos que dirigiu, como "Vestida para Matar" (1980) e "Dublê de Corpo" (1984).
Mas quando começou a carreira, nos anos 60, antes de emular o mestre do suspense, De Palma parecia mais influenciado pela nouvelle vague de Godard e Truffaut e pelo clima anárquico da contracultura americana do que pelo cinema clássico de Hollywood.
Uma prova viva disso é "Saudações" (1968), o segundo longa que realizou, mas o primeiro a chegar aos cinemas. Traz também sua segunda colaboração com Robert De Niro. Agora em DVD, "Saudações" revela um De Palma sintonizado com o efervescente espírito da época. Em Nova York, três amigos se veem às voltas com dois problemas: como escapar da guerra do Vietnã e como levar garotas para a cama. Jon Rubin (De Niro) é um voyeur e cineasta amador que acaba fundindo esses dois interesses, inesperadamente, nas matas vietnamitas. Lloyd Clay (Gerrit Graham) é um paranoico obcecado pelo assassinato de John Kennedy. Paul Shaw (Jonathan Warden), por sua vez, busca encontrar a parceira sexual ideal por meio de um programa de computador décadas antes da internet.
A narrativa é episódica, saltando de um a outro protagonista, o tom é satírico e a linguagem, ligeiramente anárquica. Amor livre, drogas, arte pop, tudo é visto com ironia e frescor, num andamento que às vezes lembra os filmes que Richard Lester realizara anos antes com os Beatles.

Energia juvenil
Longas sequências silenciosas, com muita movimentação de câmera, já sugerem um procedimento que se tornaria marca registrada do De Palma posterior, mas falta aqui, de modo flagrante, a perícia artesanal que o cineasta viria a desenvolver. Algumas cenas parecem mal filmadas, outras chegam quase a aborrecer.
Mas há uma energia juvenil, um amor ao cinema que contamina cada plano. Numa época em que ainda não tinha transformado seus filmes em mecanismos diabólicos de manipulação das emoções do espectador, De Palma se permitia experimentar, brincar e, ocasionalmente, errar. Cortes no interior de um mesmo enquadramento, aceleração do movimento, descompasso eventual entre imagem e som, mistura de gêneros: o próprio cinema americano, mesmo em seu ramo "independente", dificilmente comportaria hoje uma experiência do tipo.
Algumas passagens são antológicas, como as das transas de Paul com as mulheres indicadas pelo computador, ou a da cantada que Jon lança para cima de uma garota: "Você já ouviu falar em "pop art'? Pois bem: eu estou no ramo da "peep art" [arte de espiar]".
Pensando bem, o que há de mais característico de De Palma nesse ensaio juvenil é justamente a ênfase no voyeurismo, no trânsito entre o espiar e o espionar, tema que perpassa todo o cinema do diretor, de seus filmes mais pessoais, como "Um Tiro na Noite" (1981), a uma encomenda como "Missão Impossível" (1995). Os extras do DVD incluem duas preciosidades: um pequeno documentário/entrevista, de produção francesa, sobre De Palma nos anos 60 e o curta documental "O Olho Responsável", que o cineasta realizou em 1966 em torno de uma exposição de "op art" em Nova York. Em tempo: "Saudações" teve uma continuação rodada em 1970, "Hi, Mom!", igualmente estrelada por De Niro. Bem que a Lume poderia lançá-la também por aqui.


SAUDAÇÕES
Lançamento: Lume
Quanto: R$ 40, em média
Classificação: não indicado a menores de 14 anos
Avaliação: bom



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