São Paulo, quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004

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O umbigo do Asdrúbal

Folha Imagem
Da esq. para dir., Patricia Travassos, Perfeito Fortuna e Luiz Fernando Guimarães em cena do espetáculo "Aquela Coisa Toda", do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone


Grupo que confundiu crítica e foi base para besteirol comemora seus 30 anos

MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA

Quem já tem cabelos brancos não se surpreende com a desconstrução do espaço cênico do filme "Dogville", de Lars von Trier: lembra que, desde 1974, o grupo carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone fazia o mesmo.
O mesmo e muito mais. Revelou um time de atores que mudou a cara do teatro e da televisão brasileira, como Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães e Evandro Mesquita; amadureceu um novo jeito de fazer teatro, o da criação coletiva.
Abraçou idéias do tropicalismo, do Oficina e da cultura pop, tornando-se uma das maiores referências dentro do teatro brasileiro e gerando herdeiros, como o besteirol. Hoje, comemorando 30 anos do grupo, que durou dez anos, a editora Objetiva lança as peças escritas por Hamilton Vaz Pereira, a começar por "Trate-me Leão" -e que tem prefácio de Caetano Veloso.
Como diz Regina Casé, 49, que, no Pará, grava o programa "Um Pé de Quê?" (Canal Futura), "Asdrúbal entrou para a história por olhar para o próprio umbigo".
"A expressão veio, porque a crítica achava que a gente só olhava para o próprio umbigo, mas, nas viagens, descobrimos que éramos o umbigo do mundo", diz Regina.
"Parecia que a peça "Trate-me Leão" era urgente, precisavam daquilo. Descobrimos que o que estávamos falando era o que todos da nossa idade queriam falar, até no interior, com caras de enxada na platéia."
Regina lembra que ele foram presos em Santa Maria (RS), porque militares da cidade se assustaram com a leva de estudantes que o grupo mobilizava.
"Sempre houve uma nebulosa ambigüidade: éramos considerados alienados pela esquerda e subversivos pela direita. Fizemos um sucesso tão grande no Rio Grande do Sul, que parecíamos uma banda de rock", lembra Regina Casé.
Evandro Mesquita, 51, atualmente em cartaz no Rio de Janeiro com "Esse Cara Não Existe", peça de sua autoria indicada ao Shell, diz que ele intuía que o grupo era especial.
"Tínhamos uma cumplicidade no tipo de humor e na visão crítica em relação à vida e ao teatro. Era um teatro atlético. As pessoas comentavam: "Adorei o show de vocês"."
Quanto ao "Trate-me Leão", que ensaiaram durante nove meses, ele diz: "Sabíamos que algo novo e consistente estava por nascer. Já nos ensaios abertos, apesar de serem amigos, as pessoas ficavam chocadas e entusiasmadas".
A peça estreou em 1977 no Dulcina, Cinelândia. Na platéia, um público de filmes pornôs se misturava com a galera da zona sul.
"A crítica, com raras exceções, não entendia. Achavam que ficávamos improvisando, que éramos alienados, e mandavam todos aqueles clichês da época. Não enxergavam que estávamos pondo em prática uma atitude política, na forma de trabalhar e de produzir", diz.

Fazer rir
Luiz Fernando Guimarães, 53, em cartaz no Rio com "O Caso da Rua ao Lado" (Eugène Labiche), diz que, desde o princípio, a intenção do grupo era fazer rir.
"Aquela idéia de fazer teatro era fazer palhaçada. Todo o nosso jeito de trabalhar e improvisar tendia para a comédia. Pensávamos sempre num tema engraçado."
Quanto ao "Trate-me", ele diz: "Foi um espetáculo que partimos de vivências pessoais, escrevíamos em casa cenas e diálogos. Pesquisávamos pessoas do prédio, a família. O tédio é o tema: ninguém tem objetivo na vida, com um sentimento de abandono, de não saber como continuar".
Guimarães completa: "O grupo acabou como tudo acaba, cada um quis outras coisas, outras alegrias. Mas é unido até hoje, até no jeito de representar".
O ator lembra que parte do grupo se reencontrou anos depois no espetáculo "5 Vezes Comédia", e diz que adoraria remontar um espetáculo.


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