São Paulo, quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004

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ANÁLISE

Trupe expressou gírias e dúvidas da década de 70

ARTICULISTA DA FOLHA

"Trate-me Leão" era um susto. Pela primeira vez, uma peça tratava do que muitos sentiam, mas não se viam representados. As gírias com que conversávamos eram empostadas num palco sem cenário. Falava-se de aborto, drogas e crises existenciais da época.
Renovou-se uma dramaturgia perdida na militância; havia uma anterior (Arena, Opinião), que propunha uma revolução pela palavra. Mas que revolução era aquela?
Pereira, no comando de sua nau de comediantes, descobriu em 1976, após montar dois clássicos, que não havia um texto que traduzisse o que viviam. Decide, com o grupo, escrever aquilo que querem encenar, sem uma dramaturgia preestabelecida, juntando fragmentos, temas esboçados, letras de música. Coincidentemente, os ensaios eram na Casa do Estudante, praia do Flamengo, a quadras dos escombros do prédio da UNE incendiado.
Nas falas, expressões consideradas subliteratura, como "maior limpeza", "pintou sujeira", "entrar numa de amor", "saca às pampas". O grupo expressa a sua própria vivência.
A juventude, ainda sob os pesadelos dos anos de chumbo e da Guerra Fria, perguntava-se: "É possível ser feliz?".
"Alguém colocou na minha cabeça que, quando eu crescesse, eu ia ser muito feliz. Mas, agora que eu sou jovem, meu coração bate à toa, à toa", diz Gilda. "Não vou entrar em nenhuma pra depois ficar feito doido tentando sair. Quero ser estrangeiro nesse planeta", diz outro. Garotos e garotas discutem assuntos urgentes. Dançam Rolling Stones, tomam mandrix, planejam uma viagem a Saquarema, discutem aborto, sexo e, por fim, o que fazer da vida:
"A gente vem ao mundo pra aprender besteiras", diz um. "A nossa vida não tem nem risada nem faca. Tudo anda devagar: ibope zero", comenta outro. Não sei se mudou o mundo. Com certeza, pode-se afirmar: o teatro nunca mais foi o mesmo. (MARCELO RUBENS PAIVA)


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