|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Trupe expressou gírias e dúvidas da década de 70
ARTICULISTA DA FOLHA
"Trate-me Leão" era um
susto. Pela primeira vez,
uma peça tratava do que muitos sentiam, mas não se viam
representados. As gírias com
que conversávamos eram empostadas num palco sem cenário. Falava-se de aborto, drogas
e crises existenciais da época.
Renovou-se uma dramaturgia perdida na militância; havia
uma anterior (Arena, Opinião), que propunha uma revolução pela palavra. Mas que
revolução era aquela?
Pereira, no comando de sua
nau de comediantes, descobriu
em 1976, após montar dois
clássicos, que não havia um
texto que traduzisse o que viviam. Decide, com o grupo, escrever aquilo que querem encenar, sem uma dramaturgia
preestabelecida, juntando fragmentos, temas esboçados, letras de música. Coincidentemente, os ensaios eram na Casa
do Estudante, praia do Flamengo, a quadras dos escombros
do prédio da UNE incendiado.
Nas falas, expressões consideradas subliteratura, como
"maior limpeza", "pintou sujeira", "entrar numa de amor",
"saca às pampas". O grupo expressa a sua
própria vivência.
A juventude, ainda sob os pesadelos dos anos de chumbo e
da Guerra Fria, perguntava-se:
"É possível ser feliz?".
"Alguém colocou na minha
cabeça que, quando eu crescesse, eu ia ser muito feliz. Mas,
agora que eu sou jovem, meu
coração bate à toa, à toa", diz
Gilda. "Não vou entrar em nenhuma pra depois ficar feito
doido tentando sair. Quero ser
estrangeiro nesse planeta", diz
outro. Garotos e garotas discutem assuntos urgentes. Dançam Rolling Stones, tomam
mandrix, planejam uma viagem a Saquarema, discutem
aborto, sexo e, por fim, o que
fazer da vida:
"A gente vem ao mundo pra
aprender besteiras", diz um. "A
nossa vida não tem nem risada
nem faca. Tudo anda devagar:
ibope zero", comenta outro.
Não sei se mudou o mundo.
Com certeza, pode-se afirmar:
o teatro nunca mais foi o mesmo.
(MARCELO RUBENS PAIVA)
Texto Anterior: "Não dizíamos que fazíamos teatro" Próximo Texto: Análise: BBC aponta saídas para o modelo estatal Índice
|