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Hollywood global
Nunca na história da premiação, que acontece na noite de hoje, viu-se tanta diversidade e internacionalização; um dos motivos é o peso dos demais países nas receitas do cinema americano
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A LOS ANGELES
Nunca, na história desse país
(no caso, os Estados Unidos), o
prêmio máximo do cinema
norte-americano indicou tantos não-norte-americanos ou
representantes de "minorias"
quanto na edição de 2007.
Para ficar apenas na fronteira sul, há mexicanos concorrendo em pelo menos 12 categorias na cerimônia que acontece hoje à noite.
Na principal, melhor filme,
um dos longas é dirigido por
um mexicano e escrito por outro (ambos disputando prêmios também em suas respectivas categorias) e falado em japonês, francês, inglês, espanhol, árabe, berbere e na linguagem dos sinais. É um recorde, ainda que o nome da obra
seja exatamente "Babel", o topônimo bíblico onde foi concebida a profusão de línguas com
o propósito do desentendimento universal.
Mas ele concorre com uma
produção britânica ("A Rainha"), uma refilmagem de
Hong Kong ("Os Infiltrados") e
uma adaptação falada em japonês e dirigida por um ex-caubói
("Cartas de Iwo Jima", de Clint
Eastwood).
Não é diferente entre os atores e atrizes. Nas 20 vagas, há
cinco negros, quatro britânicos,
uma australiana, uma japonesa, uma espanhola, uma mexicana e um beninense.
Há até mesmo um concorrente falado numa língua praticamente extinta, o maia
-"Apocalypto", de Mel Gibson,
que concorre a três prêmios
menores, maquiagem, edição
de som e mixagem de som.
Para finalizar: um dos favoritos a roteiro adaptado, "Borat",
traz um "repórter do Cazaquistão" que na verdade é um comediante judeu do Reino Unido que filmou parte de seu épico na Romênia.
Não, mais de cinco anos de
guerra no Afeganistão e quase
quatro de guerra no Iraque não
abriram os olhos dos votantes
para o "mundo lá fora" nem
transformaram a academia
num exemplo da antiga campanha multiétnica da Benetton, a
do slogan "United Colors".
Faturamento
O motivo, como tudo em
Hollywood, é econômico.
Hoje, a bilheteria que um título alcança fora dos EUA é tão
ou mais importante quanto a
do público interno. Dos dez
longas norte-americanos de
maior faturamento no ano passado, seis ganharam mais dólares fora do país do que no mercado doméstico, segundo o site
especializado Box Office Mojo.
Essa mesma relação, 60% de
fora, 40% do mercado interno,
vale também para a média das
bilheterias dos filmes em geral.
Há casos eloqüentes, como o
segundo e o quarto colocados
entre os mais assistidos de
2006: apenas 28,7% da bilheteria total de "O Código da Vinci"
e 28,3% da de "Cassino Royale"
vieram das caixas registradoras
locais.
A regra se aplica ainda aos
cinco indicados na categoria de
melhor filme. Com exceção de
"Pequena Miss Sunshine", todos os demais ganharam mais
dinheiro fora da terra do Oscar
-no caso de "Babel" e "Cartas
de Iwo Jima", muito mais dinheiro: respectivamente 71,6%
e 78,2% do faturamento vieram
do exterior.
Perda de audiência
Fenômeno semelhante vale
para a audiência. Embora a organização goste de bradar que a
transmissão pela TV atinge
mais de 1 bilhão de pessoas em
mais de cem países, o fato é que
a cada ano menos norte-americanos perdem três horas sintonizados na ABC para assistir ao
desfile de agradecimentos infindáveis e piadas bobas da cerimônia.
Foram 39 milhões de telespectadores domésticos no ano
passado, ante 42 milhões em
2005 e 43 milhões no ano anterior. A queda não impediu o aumento no valor do comercial de
30 segundos, que pulou de US$
1.503.100 em 2004 para US$
1.646.800 em 2006.
Mas há outro motivo tão importante quanto o econômico
para essa pulverização mundial
das indicações que acontece em
2007: a falta de talento.
Cada vez mais, os bons profissionais da indústria do entretenimento norte-americana
estão indo para a televisão, fazendo o caminho inverso do
tradicional. Isso é verdade especialmente entre os roteiristas, que representam por definição a base da criação e da renovação cinematográfica.
Dos seis indicados na categoria de roteiro original, apenas
um pode ser chamado de cria
de Hollywood: Paul Haggis, que
assina com Iris Yamashita
"Cartas de Iwo Jima".
Os outros são outsiders, como Guillermo Arriaga ("Babel"), estreantes, como Michael
Arndt ("Pequena Miss Sunshine"), ou ambos, como Peter
Morgan ("A Rainha"), que assina também a adaptação de "O
Último Rei da Escócia". É do
britânico, aliás, a frase que define o Oscar 2007. "De repente,
você percebe que, por trás de
toda aquela loucura, há algo na
verdade básico", disse. "É tudo
negócio."
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