São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2007

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Hollywood global

Nunca na história da premiação, que acontece na noite de hoje, viu-se tanta diversidade e internacionalização; um dos motivos é o peso dos demais países nas receitas do cinema americano

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A LOS ANGELES

Nunca, na história desse país (no caso, os Estados Unidos), o prêmio máximo do cinema norte-americano indicou tantos não-norte-americanos ou representantes de "minorias" quanto na edição de 2007.
Para ficar apenas na fronteira sul, há mexicanos concorrendo em pelo menos 12 categorias na cerimônia que acontece hoje à noite.
Na principal, melhor filme, um dos longas é dirigido por um mexicano e escrito por outro (ambos disputando prêmios também em suas respectivas categorias) e falado em japonês, francês, inglês, espanhol, árabe, berbere e na linguagem dos sinais. É um recorde, ainda que o nome da obra seja exatamente "Babel", o topônimo bíblico onde foi concebida a profusão de línguas com o propósito do desentendimento universal.
Mas ele concorre com uma produção britânica ("A Rainha"), uma refilmagem de Hong Kong ("Os Infiltrados") e uma adaptação falada em japonês e dirigida por um ex-caubói ("Cartas de Iwo Jima", de Clint Eastwood).
Não é diferente entre os atores e atrizes. Nas 20 vagas, há cinco negros, quatro britânicos, uma australiana, uma japonesa, uma espanhola, uma mexicana e um beninense.
Há até mesmo um concorrente falado numa língua praticamente extinta, o maia -"Apocalypto", de Mel Gibson, que concorre a três prêmios menores, maquiagem, edição de som e mixagem de som.
Para finalizar: um dos favoritos a roteiro adaptado, "Borat", traz um "repórter do Cazaquistão" que na verdade é um comediante judeu do Reino Unido que filmou parte de seu épico na Romênia.
Não, mais de cinco anos de guerra no Afeganistão e quase quatro de guerra no Iraque não abriram os olhos dos votantes para o "mundo lá fora" nem transformaram a academia num exemplo da antiga campanha multiétnica da Benetton, a do slogan "United Colors".

Faturamento
O motivo, como tudo em Hollywood, é econômico.
Hoje, a bilheteria que um título alcança fora dos EUA é tão ou mais importante quanto a do público interno. Dos dez longas norte-americanos de maior faturamento no ano passado, seis ganharam mais dólares fora do país do que no mercado doméstico, segundo o site especializado Box Office Mojo.
Essa mesma relação, 60% de fora, 40% do mercado interno, vale também para a média das bilheterias dos filmes em geral.
Há casos eloqüentes, como o segundo e o quarto colocados entre os mais assistidos de 2006: apenas 28,7% da bilheteria total de "O Código da Vinci" e 28,3% da de "Cassino Royale" vieram das caixas registradoras locais.
A regra se aplica ainda aos cinco indicados na categoria de melhor filme. Com exceção de "Pequena Miss Sunshine", todos os demais ganharam mais dinheiro fora da terra do Oscar -no caso de "Babel" e "Cartas de Iwo Jima", muito mais dinheiro: respectivamente 71,6% e 78,2% do faturamento vieram do exterior.

Perda de audiência
Fenômeno semelhante vale para a audiência. Embora a organização goste de bradar que a transmissão pela TV atinge mais de 1 bilhão de pessoas em mais de cem países, o fato é que a cada ano menos norte-americanos perdem três horas sintonizados na ABC para assistir ao desfile de agradecimentos infindáveis e piadas bobas da cerimônia.
Foram 39 milhões de telespectadores domésticos no ano passado, ante 42 milhões em 2005 e 43 milhões no ano anterior. A queda não impediu o aumento no valor do comercial de 30 segundos, que pulou de US$ 1.503.100 em 2004 para US$ 1.646.800 em 2006.
Mas há outro motivo tão importante quanto o econômico para essa pulverização mundial das indicações que acontece em 2007: a falta de talento.
Cada vez mais, os bons profissionais da indústria do entretenimento norte-americana estão indo para a televisão, fazendo o caminho inverso do tradicional. Isso é verdade especialmente entre os roteiristas, que representam por definição a base da criação e da renovação cinematográfica.
Dos seis indicados na categoria de roteiro original, apenas um pode ser chamado de cria de Hollywood: Paul Haggis, que assina com Iris Yamashita "Cartas de Iwo Jima".
Os outros são outsiders, como Guillermo Arriaga ("Babel"), estreantes, como Michael Arndt ("Pequena Miss Sunshine"), ou ambos, como Peter Morgan ("A Rainha"), que assina também a adaptação de "O Último Rei da Escócia". É do britânico, aliás, a frase que define o Oscar 2007. "De repente, você percebe que, por trás de toda aquela loucura, há algo na verdade básico", disse. "É tudo negócio."


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