São Paulo, quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

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CONEXÃO POP

Milionário e Yeah Yeah Yeahs


Se um cineasta não filma cangaço, se uma banda não faz batucada em sua música, torna-se produto americano


THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

A QUE ponto chegou o Oscar: oito prêmios para um longa que copia um filme brasileiro...
Mesmo com Danny Boyle dizendo que não, seu "Quem Quer Ser um Milionário?" é escancaradamente "influenciado" por "Cidade de Deus", seja na fotografia estourada, seja na edição frenética, seja, principalmente, no modo como pretende retratar o cotidiano de jovens miseráveis de um grande centro urbano.
"Cidade de Deus" estreou em agosto de 2002 no Brasil e em janeiro de 2003 nos EUA. Não conseguiu indicação a filme estrangeiro no Oscar de 2003; em 2004, o filme concorreu a quatro estatuetas -mas não ganhou nenhuma.
Aclamado não apenas nos EUA, mas também na Inglaterra, o longa recebeu várias críticas por aqui. Chegou-se a criar o termo "cosmética da fome" para acusar o filme de caricaturar a violência das favelas cariocas. "City of God" seria "americano demais", diziam alguns.
Carmen Miranda era "americana demais". É o ranço "dinossáurico" e xenofóbico que enevoa a cultura pop deste país: se um cineasta não filma longos planos de cangaço, se uma banda não coloca um pouquinho de batucada em sua música, se um artista não produz instalações com compensados de madeira, torna-se, então, um produto americano.

 

Uma das qualidades de "Milionário", argumentam, é empurrar ao circuitão uma visão e uma estética "multicultural". David Thomson, no "Guardian", comemorou a vitória de "Milionário"; para ele, o sucesso do filme no Oscar "reflete a diminuição do espaço dos EUA no mundo". Mas com um ou dois cliques vemos que o mais recente "Batman" ultrapassou o US$ 1 bilhão em arrecadação de bilheteria -mais da metade em salas de cinema longe dos EUA. Quem é que está empurrando o quê?

 

Não sei, mas talvez a coisa mais multicultural de "Milionário" seja "O... Saya", faixa cocomposta por M.I.A. Nascida no Sri-Lanka, criada na Inglaterra, influenciada pela eletrônica europeia, pelo "baile funk", pelo bhangra indiano e pelo rap americano, a música de M.I.A. é tudo isso e nada disso ao mesmo tempo. Seu mais recente álbum, "Kala", foi um dos dois ou três discos que representaram bem 2007, ano em que globalização parecia um termo inabalável. Em época de protecionismo, um novo disco de M.I.A. é necessário.

 


Comentei na semana passada que "Zero", faixa do Yeah Yeah Yeahs, mostra a banda investindo nos sintetizadores. Bem, "It's Blitz!", o disco, caiu na rede. Em "Hysteric", Karen O. canta suavemente em meio a atmosfera etérea; "Heads Will Roll", ótima, é quase disco; "Skeletons" reverbera tensão; "Soft Chock" começa com barulhos e segue num crescendo quase catártico. Após álbuns de Franz e Animal Collective, 2009, parece, será bem melhor que 2008.

thiago.ney@grupofolha.com.br


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