São Paulo, quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

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NINA HORTA

A madrinha doida


Eram castanhas portuguesas, toda a safra de uma castanheira do sítio da afilhada


TENHO UMA afilhada, Lo Politti, Lô para os clientes e amigos, Sônia para mim. Eu sempre nutri remorsos horríveis em relação a ela, por não ter sido uma madrinha exemplar, como manda o figurino.
Imaginem que numa altura de nossas vidas arranjaram uma outra madrinha para ela, na tentativa de suprir o descaso desta aqui. E, para meu orgulho, ela não aceitou, do alto de seus nove anos. Ficava com a ruim, mesmo, que era a dela.
Cresceu, virou mulher e desmente toda a história acima. Lembra-se dos presentes que chegavam completamente fora de hora, lanternas elétricas para acampamentos bandeirantes, patins refulgentes, ovo de Páscoa gigante no Natal, essas coisas de madrinha doida. Mas sentiu que a madrinha e o padrinho gostavam um bocado dela, apesar das omissões. E de quando em quando trocamos cartas enormes, com todas as verdades e segredos que madrinhas e afilhadas podem ter.
Pois não é que chegou aqui em casa na semana passada o presente que pode me emocionar? Não, não eram jabuticabas (que também podem). Eram castanhas portuguesas, toda a safra de uma castanheira do sítio da afilhada. Pequenas? Encolhidas? Não, brilhantes, grandes, umas senhoras castanhas, como as francesas e portuguesas. E muitas, muitas, para fartar. Grande menina generosa, obrigada.
Essa queda por castanhas vem da minha mãe. Onde ela adquiriu não sei, mas na minha infância marrom-glacê era a coisa mais chique que poderia haver. Acho que o único ponto frágil de desejo da mãe, pois era ascética como monja. Os amigos viajavam e traziam de fora. Ela comia com deleite. Não gostava de chocolate. Uma vez ganhou uma caixa enorme de bombons e resolveu passar para uma amiga que teve um bebê. Lá rumamos, "regifters" como Seinfeld, para o hospital, caixa entregue, amiga abre, e oh!... Marrons-glacês. Fechei os olhos de medo de ver a confundida mãe avançar sobre a parturiente, mas controlou-se para se descabelar em casa.
Não sei de onde herdamos essa propensão, aliás, sei, dos portugueses, com certeza, mas na falta de glaçados comíamos a castanha cozida no Natal. Bastante. Ela nunca se interessou por castanha de outro jeito que fosse, e quando, já velhinha, apareceram no comércio as descascadas, se desapontou. Não gostou.
Perdeu o jeito. A farra de descascar fazia parte do ritual.
Uma das primeiras receitas que inventei, se não a única, foi frango ao curry com castanhas portuguesas.
Ela apreciou, eliminou o curry e fazia o frango ensopadinho mineiro com castanhas, a maior delícia.
Mais tarde, na vida, quando a "nouvelle cuisine" engatinhava, tomei no Boulud de Nova York uma sopa creme de abóbora com castanhas, com um fio de creme de leite perfumado com zimbro, por cima.
Era um dos pratos fortes dele.
Agora, ao ver que o Brasil produz castanhas tão boas, podemos tê-las o ano inteiro e inventar moda até não poder mais. Gostaria de provar com foie gras. Lembro que depois que li "Zorba, o Grego", quis imitar uma festa que ele fez. De castanhas e um vinho doce. Pedi aos convidados que trouxessem, uns o vinho, e outros, as castanhas. A maioria trouxe vinho e eu, como anfitriã, nem comi castanhas para que sobrassem e, no dia seguinte, a ressaca foi brava. O bom para ressaca é "rimonada girada", dizia a japonesa que veio me dar uma injeção.
Vocês gostam de mont-blanc?
Adoro. E não tem segredo. Purê não muito doce de castanhas ligadas por um poucochinho de creme de leite.
Para servir, passa-se por espremedor de batatas, deixando os fios grossos, espaguetes de castanha caírem sobre o prato, num monte. Por cima, creme chantilly, que é a neve que cobre o topo do Montebianco. Boas castanhas brasileiras, são meu votos. Fora de hora.

ninahorta@uol.com.br

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