São Paulo, sexta-feira, 25 de março de 2005

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CDS

MÚSICA

Com poucas cópias e lançados de maneira independente, CDs mixados ajudam artistas a divulgar seus trabalhos

DJs, MCs e produtores investem em "mixtapes"

ADRIANA FERREIRA
DO GUIA DA FOLHA

Entre os mais divertidos passatempos dos adolescentes de décadas passadas estava o de gravar fitas cassetes para presentear amigos, conquistar pretês ou arrasar em festinhas. Entre os DJs nova-iorquinos de hip hop nos anos 70, a mania tinha uma função a mais: registrar rimas e as habilidades nos toca-discos para divulgar o ritmo e a poesia numa época em que o rap ainda não tinha ido parar nas prateleiras de megastores. Nasciam então as mixtapes, fitas -substituídas hoje por CDs- criadas para funcionar como portfólio dos artistas de hip hop.
Trinta anos depois, DJs como Whoo Kid, o produtor das mixtapes do rapper 50 Cent, chegam a fazer 100 mil cópias, o que torna as mix mais rentáveis que discos lançados por grandes gravadoras.
Enquanto lá as mixtapes são consideradas quase um quinto elemento do hip hop -com MC, break, grafite e DJ-, no Brasil a cultura dos CDs mixados não pegou. Numa explicação bem rasteira, as mixtapes podem ser definidas como CDs mixados, lançados de maneira independente, em pequena tiragem e com preços baixos.
"Não é uma coisa para ganhar dinheiro", explica o rapper e produtor Parteum, 29, que já pôs na praça duas mixtapes -além de um CD oficial, "Raciocínio Quebrado" (Trama)- e está preparando outras duas. "Pelo menos foi assim que começou lá fora, com DJs e b-boys [dançarinos de break] fazendo fitinhas com músicas mixadas para os bailes."
Qual é o objetivo? "Divulgar os trabalhos", responde o MC Paulo Napoli, 28, que acaba de lançar a mix "Raps de Verão", em parceria com a marca de roupas Most.
"É uma forma de democratizar, de mostrar a nova cena a um público que só tem o Dogão para ouvir", alfineta Napoli. "Quero apresentar uma coisa menos óbvia."
Napoli reuniu material, na maioria inédito, de artistas de Goiás, Rio de Janeiro, Paraná, São Paulo e Santa Catarina. "Juntei tudo pelo messenger [programa de troca de mensagens] e mixei no computador de casa", explica. O resultado é uma coletânea caprichada, com artistas pouco conhecidos, como A Filial (RJ), com o samba-rap "A Cartilha"; Mocambo (PR), autor da bossa-rap "Invadir Co Moh Calor"; e Testemunha Ocular (GO), que usa sample de forró em "Frutos da Rua".
Outro insatisfeito com a cena, o produtor Tiago Munhoz, 27, estréia no circuito das mixtapes com "Beats e Rimas - Vol. 1". "Estou num momento muito parecido com o da época em que lancei o disco do Ascendência Mista [grupo que ele integra], achava tudo um saco. Não tinha um disco de rap que gostasse de ouvir", diz.
"Essa é uma forma de registrar músicas novas, divulgar meu trabalho e mostrar artistas que as pessoas não conhecem", afirma.
"Beats e Rimas" tem 21 faixas com participação de MCs como Parteum, Kamau, Shawlin e Lurdez da Luz, entre outros, que rimam sobre bases produzidas por Munhoz. "Além de tocar instrumentos, usei samples de muitas épocas: sambas antigos, jazz e música brega."
O CD também foi a deixa para Munhoz mostrar quatro faixas do projeto Professor M. Stereo, em que faz música instrumental no computador, com influências dos anos 60 e 70.

No forno
"Fiz porque não tinha certeza de que a Trama ia bancar o disco", diz o rapper Parteum, que lançou a segunda mixtape, "Patrocínio Quebrado", em 2004, pouco antes de sair seu álbum solo.
"Na mix, você faz coisas que não pode no disco oficial", afirma Parteum. "Tem sample que, se tivesse que pedir a liberação, nunca iria conseguir, mas vende em um circuito tão fechado que ninguém sabe do que se trata."
Parteum está produzindo duas mixtapes para o segundo semestre. Uma delas é a prévia do próximo CD de seu grupo, o Mzuri Sana. Outra que deve sair logo é a do MC e produtor fluminense Iky, 25. "Tinha um excedente muito grande de produção e resolvi juntar tudo e mostrar numa mix."
No total, 35 pessoas estão envolvidas na produção da "Iky'x Tape - Vol. 1", entre DJs, MCs e grafiteiros. "Aqui tem muito MC bom, mas só a gente conhecia, então resolvi botar a galera na rua."

Cartão de visita
Ainda que a mixtape não tenha produções próprias, ser um bom "mixtaper" pode render prestígio. O DJ Nuts, 27, que desde os tempos de colégio faz fitinhas para os amigos, recebeu convites para tocar em Los Angeles e Nova York graças à repercussão de "Cultura Cópia", que circulou com a revista californiana "Wax Poetics".
"Este CD mudou minha vida, me colocou no mundo inteiro. Eles fizeram 4.000 cópias que estão esgotadas", comemora Nuts. O disco é o resultado de suas pesquisas sobre a black music brasileira, das décadas de 60 e 70.
Como fazer fitinhas é um costume que não é exclusividade do rap, o DJ Gustavo Abreu, o Guab, 28, fez duas edições de sua "rockmixtape" -e prepara mais duas- para distribuir para os amigos. "Também usei para divulgar o meu set, mas, até agora, não adiantou nada!", reclama bem-humorado.


Onde ouvir: Funhouse (r. Bela Cintra, 567, Consolação, tel. 0/xx/ 11/ 7109-7144)
Folha promove evento sobre sexualidade femininaParteum (6/4), Enganjaduz (13/4), Paulo Napoli (20/4) e Munhoz (27/4)
Quanto: R$ 6


Beats e Rimas- Vol. 1
Artista: Munhoz e Prof. M. Stereo
Quanto: R$ 15
Onde comprar: lojas das galerias da r. 24 de Maio ou pelo e-mail tiagomunhoz77@gmail.com
Iky'x Tape - Vol. 1 (previsão de lançamento: abril)
Artista: MC Iky e convidados
Quanto: R$ 10
Onde comprar: mc_iky@bol.com.br
Raps de Verão
Artista: MC Paulo Napoli e convidados
Quanto: R$ 18 (preço sugerido)
Onde comprar: lojas das galerias da r. 24 de Maio e na Most da galeria Ouro Fino (r. Augusta, 2.690)
rockmixtape 1 e 2
Artista: DJ Guab
Quanto: R$ 10
Onde comprar: www.peligro.com.br



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