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SALÃO DO LIVRO
Sarney e Saulo Ramos falam de literatura
Marlene Bergamo/Folha Imagem
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O advogado Saulo Ramos e o ex-presidente José Sarney em Paris
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LUIZ ANTÔNIO RYFF
enviado especial a Paris
O ex-presidente José Sarney
espera sua mulher se afastar
para confessar
seu adultério.
"Casei com a
política e a literatura é minha amante", diz ele,
que está em Paris cometendo traição amorosa como convidado do
18º Salão do Livro.
A Folha reuniu o ex-presidente
e seu ministro da Justiça, o advogado Saulo Ramos, para conversar sobre literatura. Eles tiveram
obras lançadas recentemente na
França e, além de participarem
do Salão do Livro, estarão juntos
amanhã na Casa Internacional de
Poetas e Escritores, em Saint-Malo.
"Capitaine de la Mer Océane"
("O Dono do Mar"), de Sarney,
foi elogiado por Lévi-Strauss, pela crítica literária francesa e está
chegando à segunda edição. Sarney agora escreve um romance
ambientado no antigo contestado entre França e Brasil, no Amapá.
Ramos está lançando o livro
"C'Était Aujourd'hui", com o
aval do crítico literário francês
Claude Couffon e prefácio de Jô
Soares e Jorge Amado. "Sou praticamente inédito, estou começando agora", diz ele, que usa
seus poemas para expressar "experiências de vida de quase 40
anos que estão me incomodando".
O livro reúne 21 poemas selecionados entre 400 que passaram
anos aguardando a hora de sair
da gaveta. "É como o vinho, se
não azedar tudo bem."
O quase inédito fica por conta
de um livro que Ramos havia publicado no final da adolescência,
"Quando escrevo poesia, me recuso a ter mais de 20 anos."
Sentados no
bar do hotel
Prince de Gales, com som
de bossa nova
ao fundo, Sarney e Ramos
conversaram
sobre literatura, Deus e
-como a promessa de não
tocar no assunto foi quebrada- um
pouco de política. Para Sarney, no Brasil,
'à cultura está
em uma fase
pré-capitalista."
Folha - Na
atividade literária, o escritor
cria um mundo
no qual é seu próprio Deus com
poder absoluto sobre seus personagens. A literatura não é um pouco frustrante já que na política
também existe um pouco desse
mesmo poder sobre as pessoas?
Enquanto um poder é real, outro é
fictício.
Sarney - A vida tem duas vertentes, a da política e da literatura. A
política foi o destino, a literatura é
a vocação. Escrever é uma compulsão. Tem uma certa relação
com a arte de Deus por causa da
arte da criação. Deus quando criou
o mundo ele criou com leis físicas.
E o escritor viola todas essas leis
para criar um mundo imaginário,
que é eterno e não se modifica. É
muito difícil ser político e ser escritor. O político lida com realidades,
o escritor lida com abstrações.
Folha - O escritor viola leis de
Deus criando outras. Isso não os
aproxima?
Ramos - Isso me lembra um cantador nordestino que dizia "sou
maior do que Deus, porque Deus
nunca pecou e eu sou um grande
pecador".
Sarney - Deus pode fazer leis.
Nós não podemos.
Folha - O sr. não acha que um
"político-escritor" pode fazer leis
duas vezes?
Ramos - O direito é sempre uma
expressão de momento da civilização. A literatura tem um pouco
mais de pretensão à eternidade.
Vivi na advocacia a dor humana,
as misérias todas. É impossível ficar indiferente. Em algum momento ela volta em forma de criação. Como disse o presidente, a
necessidade de escrever é quase fisiológica. Escrevendo um recurso
extraordinário, de repente, as palavras começam a vir ritmadas,
metrificadas. O Sarney, aliás, tem
uma teoria sobre a poesia que acho
fantástica.
Sarney - Você é jornalista. Você
usa a palavra para expressar a realidade. O escritor deseja usar e
transubstanciar as palavras, que
passam a não significar aquelas
coisas que, nas verdade, elas significam.
Para um escritor, uma rosa não é
uma rosa. Ela tem um significado
muito mais transcendental. Uma
rosa e uma rosa escrita são diferentes. Essa angústia das palavras
que faz parte da arte de escrever.
Folha - O que causa mais angústia, política, advocacia, literatura?
Ramos - De política eu não entendo. O direito é angustiante porque sempre há um ser humano por
trás. Você está defendendo a liberdade ou o patrimônio de alguém. E
você depende de uma lei, que nem
sempre é bem feita.
Folha - Presidente, o sr. disse que
casou com a política e comete
adultério com a literatura...
Sarney - Todos os dias. Sempre
digo que a política me levou, mas
que queria ser levado pela literatura. Minha convivência com o poder sempre foi uma convivência de
angústias. Nunca estabelecemos
relações maiores de intimidade.
Mas não há nenhuma relação entre o que escrevi e a política.
Se fosse misturar as coisas, a
política destruiria a literatura. Embora
reconheça que
a política tem
muito de ficção. Veja o episódio da morte
do Tancredo
(Neves). Que
escritor poderia escrever
aquilo?
Folha - O público não separa o político do
escritor.
Sarney - É a
dificuldade
que tem o 'político-escritor'.
Pensam que é
um pouco de
charme da parte política se utilizando da literatura.
Folha - Os srs. acreditam que a
crítica vê o escritor-homem público de modo diferente?
Ramos - Sempre temi mais meus
clientes do que críticos. Achei que
eles pensariam que o advogado
sendo poeta, iria perder, no mínimo, o prazo. Publiquei poesia em
uma coletânea com vários juristas.
Concordamos que dessa forma, se
houvesse uma fuga de clientes, seria entre nós (ri).
Sarney - É muito fácil diferenciar
a crítica preconceituosa. Eles não
leram e já não gostaram. Eu não
me posso me queixar. Com a carreira política que tenho, escrever
ficção é um risco extraordinário.
Quando lancei "Norte da
Águas" há 30 anos, ele teve uma
repercussão extraordinária no
Brasil. Foi traduzido em 11 línguas.
No exterior, podemos sentir, com
uma certa isenção, o que se está fazendo. Eu me liberto do político.
Isso me dá uma felicidade grande.
Folha - O sr. se acha melhor compreendido como escritor ou como
político?
Sarney - O criador foi muito generoso comigo. Ele me trouxe lá
do Maranhão, de uma casinha de
50 metros quadrados onde eu nasci, no interior, me fez presidente,
me colocou para escrever livros.
Folha - Alguns escritores brasileiros acham que o salão foi a maior
vitrine para a literatura brasileira.
Sarney - A presença da literatura
brasileira aqui tem sido muito modesta. Algumas pessoas atribuem
isso a dificuldade de tradução. O
escritor brasileiro é muito mais livre, o que torna mais difícil a
transposição para outra língua.
Esse salão foi uma oportunidade
extraordinária. Principalmente
em um momento em que a literatura não passa por um dos períodos mais brilhantes. \Nós entramos
em um processo de globalização
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