São Paulo, quarta, 25 de março de 1998

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CINEMA E LITERATURA
Paris assiste a 24 filmes brasileiros

MARIANE COMPARATO
de Paris

Nem só de literatura está vivendo o Brasil na França. O ciclo de cinema brasileiro "Écriture en 24 Images", que está apresentando em Paris 24 filmes ligados a obras literárias, também está atraindo o público francês.
Na exibição de "Pixote" (de Hector Babenco), anteontem, a sala lotou. Os diretores Nelson Pereira dos Santos ("Memórias do Cárcere"), Walter Lima Jr. ("A Ostra e o Vento") e Julio Bressane ("Miramar"), que estão a convite da Associação Bem-Te-Vi, organizadora do evento, participarão de debates sobre seus filmes.
Os diretores se encontraram para um bate-papo com a Folha sobre público, maio de 68, cinema francês e novos projetos.

Folha - Vocês acham que "O Que É Isso, Companheiro?" merecia ganhar o Oscar?
Nelson Pereira dos Santos -
A Holanda sempre ganha do Brasil: no ano retrasado, contra "O Quatrilho", foi a mesma coisa...
Walter Lima Jr. - O Brasil agora é concorrente permanente. Um dia o Oscar será festejado no Maracanãzinho, feito o Frank Sinatra...
Santos - É uma fatalidade... Mas sou suspeito porque fiz parte da comissão que escolheu o filme.
Folha - O público francês tem uma percepção diferente da do público brasileiro?
Santos -
Eu me lembro do público francês dos anos 60, 70, que era muito ligado ao movimento romântico, principalmente a juventude da classe média: Che Guevara, cinema novo. Foi a dieta cultural de Nanterre (conhecida pelos cursos de ciências sociais): "Deus e o Diabo na Terra do Sol", "Vidas Secas" etc. Havia um grande público para o cinema de arte e o cinema latino-americano em geral. Era uma solidariedade em relação ao terceiro mundo, mas isso acabou. Nosso cinema está dando uma visão muito plural do Brasil. Folha - Quais são os valores do cinema brasileiro atualmente?
Julio Bressane -
Me parece que nos anos 60 havia um outro caldo de cultura. Hoje, por mais falaciosa que seja essa história de globalização, o público tem um gosto representando o mundo inteiro. O que há de paradoxal nisso é que o cinema no Brasil sempre foi colocado na questão da arte. Isso é delicado, porque a arte é uma coisa feita para a elite.
Folha - E o cinema francês?
Lima Jr. -
Acho que está muito impregnado de cinema norte-americano. É só ver o último filme do Luc Besson ("O Quinto Elemento"). A toda hora vejo desastres de carro nos filmes franceses... Na década de 30, 40, o cinema francês tinha uma personalidade extraordinária, a gente mirava aquilo como se tivesse vendo uma grande novidade. O cume foi a nouvelle vague, em que puderam fazer a digestão do cinema e propor algo novo.
Santos - Não há nenhum código norte-americano que o garoto da zona norte lá do Rio não decifre, porque ele tem interesse em fazer essa viagem. A França deixou de ocupar um posto importante no campo cultural.
Bressane - Mas teve uma coisa importante: a vulgarização dos textos acadêmicos, que permitiu a consolidação de uma cultura sob outra perspectiva. Isso aconteceu com os primeiros textos teóricos de Jacques Derrida, Deleuze, Foucault e Lacan. A informação que existia nos centros de pesquisa foi levada para a rua, popularizada. Folha - Onde vocês estavam em maio de 68?
Bressane -
Eu estava aqui em Paris. Por acaso, com Alex Vianni e Paulo César Sarraceni.
Lima Jr. - Estava acabando "Brasil, Ano 2000". Em 69, vim para cá e vi os restos de maio de 68.
Santos - Eu estava em Parati, fazendo "O Asilo Muito Louco".
Lima Jr. - Lembro que trouxe em 87 o filme "Ele, O Boto" para cá e, coincidentemente, havia um filme do Luc Besson chamado "Imensidão Azul". Aí eles rechaçaram meu filme para que houvesse um lugar para o outro, que era parecido. Na hora em que cheguei em Paris, entrei no metrô e vi o cartaz daquele filme, pensei: "Não vou entrar na competição nunca".
Folha - Foram ao Salão do Livro?
Bressane -
Eu fui. Mas achei que era uma representatividade muito relativa, porque os tradutores escolhem o que querem, a visão sempre é muito fragmentada, parcial. Apesar de ser importante ter um espaço desses, a representação brasileira foi muito institucional, oficial. Deixaram de fora pontos luminosos da nossa cultura: Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Paulo Leminski.
Folha - Quais são seus projetos em andamento?
Santos -
Tenho dois. Um para a televisão, uma adaptação de "Casa Grande e Senzala" em 13 episódios para o canal GNT. O outro projeto é "Guerra e Liberdade", um longa-metragem de ficção sobre Castro Alves quando passou um ano na escola de direito em São Paulo, em 1868.
Bressane - Estou preparando uma produção sobre São Jerônimo, que viveu a vida inteira no deserto, onde fez a famosa versão latina da Bíblia, a "Vulgata", a partir da qual saíram todas as traduções de língua românica da Bíblia.
Lima Jr. - Quero fazer um filme sobre a atitude que teve a minha geração de tentar criar um país por meio da arte. A pretexto de falar da bossa nova, também falo um pouco do cinema e da arquitetura. A pergunta básica é se é possível a arte ainda pretender transformar o mundo. Vai se chamar "Os Desafinados".



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