São Paulo, quarta-feira, 25 de abril de 2001

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POESIA

Compositor prepara CD com dez textos da escritora

Zeca Baleiro busca voz e música para versos de amor de Hilda Hilst

FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Como leitor voraz de poesia, sempre tenho livros de cabeceira", diz o músico Zeca Baleiro, 35, enquanto tenta explicar, em frente a uma xícara de cappuccino, a relação que sua música encontra nos versos de outras pessoas.
"Musiquei muito poema, às vezes só por exercício. Alguns ficaram muito bons. Por exemplo, esse do cummings eu não titubeei em gravar ["Nalgum Lugar", versão de Augusto de Campos para o poema "somewhere i have never travelled, gladly beyond", de e.e. cummings, gravado no CD "Líricas", de 2000"."
Pois a próxima a migrar de um lugar cativo em seu criado-mudo para a prateleira de CDs é brasileira: a poeta Hilda Hilst, 71.
"Quando saiu meu primeiro disco, eu o mandei, com uma dedicatória e um poema que eu havia feito para ela. Minha avó se chamava Hilda, tenho uma irmã que se chama Hilda. Eu falava no poema da familiaridade que eu tenho com o nome dela, a mesma que eu tenho com a literatura dela, que eu sempre curti muito."
Depois de ouvir "Por Onde Andará Stephen Fry" (97) e se encantar com a faixa "Bandeira", a autora de "O Caderno Rosa de Lori Lamby" (90) ligou para agradecer e propôs-lhe o desafio de musicar poemas seus. Baleiro recebeu, por meio de Edson Duarte, 34, amigo e estudioso da escritora, um disquete com a obra poética de Hilst.
"Ela ouve mais música clássica e faz uma separação muito nítida: letra é uma coisa, poesia é outra", conta Duarte. "Mas achou que ele podia, de alguma forma, fazer alguma coisa com a obra dela. O Zeca faz músicas populares, mas que têm um refinamento", diz Duarte, da casa que divide com a poeta, perto de Campinas (SP).
Duarte fala à Folha por Hilst, a seu pedido ("ele conhece bem minha obra e tenho um pouco de dificuldade de falar"), mas conta que, enquanto responde às perguntas ao telefone, a escritora, à sua frente, assente com a cabeça.
Os poemas eleitos por Zeca Baleiro estão no livro "Júbilo Memória Noviciado da Paixão" (editora Massao Ohno, 1974, esgotado), na parte intitulada "Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé. De Ariana para Dionísio".
"São dez poemas, superlíricos, com uma atmosfera meio medieval", diz o compositor, justificando a escolha pelo capítulo.
"Quero fazer um disco com dez cantoras, piano e voz basicamente", diz, citando Verônica Sabino, Nana Caymmi, Maria Bethânia, Ceumar e Ná Ozzetti entre os nomes que gostaria de arrebanhar.
O próximo passo do projeto, que espera ver finalizado até agosto, diz Baleiro, é "mandar tudo para ela", Hilst, aprovar. "Ela é exigente, né?"
A idéia do compositor é que os participantes abram mão dos direitos, e toda a renda fique para a poeta. Baleiro ainda não tem quem encampe a idéia, mas vê como saída viável encartar o CD em uma revista cultural, "porque popularizaria". "Tem de ser vendido por um preço acessível." "Mas vou fazer de qualquer jeito."



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