São Paulo, segunda-feira, 25 de abril de 2005

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ARTES PLÁSTICAS

Primeira grande exposição da obra em papel do carioca reúne 200 trabalhos a partir de hoje no CCBB do Rio

Desenhos revelam metamorfoses de Cildo Meireles

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Em 1969, Cildo Meireles parou de desenhar. Mergulhou na chamada arte conceitual -expressão pela qual não morre de amores- e iniciou a construção de uma das mais importantes carreiras de artista plástico do país.
Em 1973, ele voltou a desenhar e nunca mais parou. É a porção mais constante de seu trabalho e a menos conhecida. Esse paradoxo pode começar a ser desmontado a partir de amanhã, quando é aberta para o público, no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio, "Cildo Meireles Algum Desenho [1963-2005]", a primeira grande exposição de sua obra em papel.
"Eu fui pueril quando parei. O desenho é muito revelador para mim, pois permite expressar imediatamente o que está na minha cabeça, e com um mínimo de materialidade. É uma espécie de escrita automática, feita sem bloqueio", diz Meireles, 57, que não usa pincel nos desenhos para ter mais contato com a superfície.
A exposição deixa claro que, em nenhum sentido, essa é uma produção menor na trajetória do artista. Além da qualidade, há quantidade: ele estima ter feito cerca de 4.000 desenhos profissionalmente. A mostra do CCBB conta com 200 originais e outros 800 trabalhos apresentados em fotografias.
"Em 99, surgiu a idéia de reunir a minha obra gráfica. Ela é muito dispersa porque nem sempre eu sabia para quem vendia. Funcionava como a minha subsistência, o dinheiro para pagar o aluguel. O projeto é reunir tudo num raisonné", conta Meireles, referindo-se ao tipo de catálogo que documenta a produção completa, pelo menos em um suporte, de um artista.
A primeira etapa dessa extensa pesquisa localizou 1.200 desenhos, dos quais o curador Frederico Moraes escolheu 200. É, segundo Moraes, "uma produção respeitável que ainda não foi considerada criticamente".
"A partir dessa exposição, não se poderá mais descartar os desenhos nas reflexões sobre a obra de Cildo. Eles servem como referência para explicar as gêneses e metamorfoses de obras tridimensionais importantes como "Desvio para o Vermelho" e "Espaços Virtuais: Cantos'", afirma o curador, que também selecionou alguns objetos e a instalação "La Bruja".
Os desenhos vão dos expressionistas da adolescência aos delicados dos últimos anos.
"O que tenho feito são desenhos de bolso, em hotéis e aviões, porque no ateliê tem sido mais difícil", diz Meireles, que passa boa parte de seu tempo no exterior.
Entre as mostras internacionais, há duas participações na Documenta de Kassel, na Alemanha, e duas na Bienal de Veneza, da qual também participa neste ano, convidado do pavilhão da Itália.
Mesmo feitos em épocas, estilos e técnicas bem diferentes, os desenhos têm pontos de contato entre si, como o personagem de chapéu e óculos escuros, sem nome, que é uma obsessão do artista.
Bocas expressivas são outra marca, assim como imagens dos anos 60 e 70 que permitem alguma interpretação política. "Sempre tive ojeriza instintiva ao panfletarismo. Parte da produção permite uma leitura política, mas não a resume. Estou falando desse medo indefinível e abstrato que pertence à condição humana."


Cildo Meireles Algum Desenho [1963-2005]
Quando: ter. a dom., das 10h às 18h; até 3/7
Onde: CCBB-RJ (r. Primeiro de Março, 66, Rio, tel. 0/xx/21/ 3808-2020)
Quanto: entrada franca



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