São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 2006

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Código do barulho

No meio da ficção do filme "O Código Da Vinci", há temas que estão no debate da igreja hoje, diz teólogo

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Muito barulho por nada." Foi com o nome de uma famosa comédia de Shakespeare ("Much Ado about Nothing") que o "L'Osservatore Romano", o jornal do Vaticano, deu o título à resenha do filme "O Código Da Vinci", que publicou anteontem. Assim, parece que a própria igreja, que num primeiro momento havia atacado o filme, está percebendo que tratá-lo pelo que ele realmente é -uma ficção rocambolesca de segunda linha, confusa e inverossímil- pode ser a melhor estratégia para minar a propagação de temas e interpretações indigestos.
Baseado no livro homônimo de Dan Brown, "O Código Da Vinci", que está lotando bilheterias pelo mundo e causando intensas reações de religiosos, é um thriller apoiado em evangelhos apócrifos e outros documentos deixados à parte pela igreja. Seu sucesso deve-se muito a um calculado tratamento pseudo-científico que dá a sua trama novelesca.
A principal controvérsia do livro está no fato de afirmar que Jesus Cristo e Maria Madalena teriam tido uma filha e que toda a história posterior do cristianismo teria sido um esforço para ocultar essa "verdade".
A Folha assistiu a uma sessão do filme com o teólogo e historiador da Igreja Católica Oscar Beozzo, que chamou a atenção para outros pontos que o filme toca e que ele considera atuais. A saber: a batalha pela interpretação dos textos (o que é apócrifo e o que é autêntico), a importância da mulher no Novo Testamento e a sexualidade de Cristo. "Não acho ruim as pessoas irem assistir. É bom que saibam quais problemas preocupam a igreja hoje."
Para Juan José Tamayo, professor de teologia da Universidade Carlos 3 de Madri, o interesse recente em revitalizar o papel de Maria Madalena surgiu por conta de um revisionismo feminista. "Mostrar que ela era mais importante do que deixam crer os textos supostamente oficiais tem a ver com nosso ambiente cultural de hoje, que valoriza as perspectivas de gênero", diz.
Já para dom Antonio Dias Duarte, bispo auxiliar do Rio de Janeiro, a revisão das ações de Maria Madalena não é prioridade. "A igreja de cada época tem suas questões. Na atualidade, a questão não é Madalena, mas assuntos mais relevantes, como a justiça social e a defesa da vida humana", diz.
Outro aspecto que Beozzo vê o filme apontar é a necessidade que o contexto atual tem de pedir transparência às organizações religiosas. "Tem razão o filme em denunciar o lado violento e condenável das Cruzadas, da Inquisição, da exclusão das mulheres, da falta de transparência institucional e de abrir um debate sobre estas questões", diz o teólogo. "O lado problemático do filme", acrescenta, "é o de passar a imagem de uma vasta operação histórica de ocultação de verdades e de atribuir um caráter mafioso e violento a instituições como a Igreja Católica, a Opus Dei etc."
Com relação ao retrato da Opus Dei, d. Duarte, que é membro da prelazia, rechaça a maneira como esta e a igreja são mostradas. "O "Código" não diz a verdade. Tanto o filme como o livro mostram uma imagem distorcida de Jesus Cristo. Uma imagem que não corresponde à verdade histórica e que, dessa maneira, distorce também a imagem da igreja", conclui.


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