São Paulo, sexta-feira, 25 de maio de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/"Escola do Riso"

Japonês alcança bom resultado com poucos elementos

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

D esde que começou a ressurgir internacionalmente, o cinema japonês ainda não tinha se dedicado à comédia. Mas será "Escola do Riso" uma comédia de verdade? Em certos momentos, parece que sim, até se ri francamente. Em outros, acompanhamos com um sorriso as desventuras de Taubaki (Goro Inagaki), um escritor de comédias, às voltas com o rigoroso censor Sakisaka (o ótimo Kôji Yakusho). Por vezes, parece que tudo vai enveredar para o dramático -o que por sinal não acontece. Em parte, o interesse do filme vem daí.
Estamos no Japão de 1940, portanto, o militarismo está a pleno vapor (o Japão ocupa parte da China, prepara-se para outras aventuras bélicas etc.), e Sakisaka, encarnação desse espírito, é nomeado o novo censor. As companhias teatrais sentirão o peso de sua tesoura. Sua atenção volta-se especialmente para a paródia de "Romeu e Julieta" escrita por Taubaki. As restrições colocadas por Sakisaka são de várias ordens. Desde o fato de Shakespeare ser um autor inglês (o Reino Unido era inimigo na época) até o fato de se tratar de uma comédia. Sakisaka não vê graça em nada e, sobretudo, não vê graça alguma no humor.
A relação parece sem saída, mas como Taubaki, obstinadamente, dispõe-se a reescrever tudo que o censor exige, percebemos que duas coisas se transformam. A primeira, é que a peça começa a se aperfeiçoar. Podemos por um momento concordar com Borges, o argentino, quando argumenta que a censura é uma ótima coisa, pois estimula a imaginação dos escritores. Contudo, Sakisaka invade o "nonsense": a opressão à obra torna-se insuportável. A segunda é que entre o censor e o escritor começa, aos poucos, a se desenvolver uma relação de cumplicidade não prevista originalmente. Graças ao rigor com que o censor trata as situações de humor, ele torna-se aos poucos um precioso colaborador do autor.
"Escola do Riso" é um filme que trabalha com poucos elementos. Basicamente, dois personagens e uma única situação dramática. Dentro dela, no entanto, existem nuances a desenvolver: o crescendo do envolvimento entre os dois homens, o momento em que a opressão começa a se transformar em colaboração, graças à capacidade de observação de Sakisaka para o humano (e a sua intransigência quanto às coisas dramáticas, que começa por ser meramente repressora para se tornar estética).
Por fim, o desenrolar do filme é pontuado por notações que dão conta, com delicadeza, do progressivo aprofundamento do militarismo. Tanto a direção de Mamoru Hosi como o texto (baseado numa peça teatral, fato que o filme tem o mérito de não tentar esconder) sabem manejar o material dramático sumário proposto inicialmente com desenvoltura, chegando a um resultado extremamente eficaz e a um filme em que, em vez de optar pelos sentidos óbvios (pela criação, contra a censura etc.), opta pela dificuldade dos sentidos que se difundem. Essa dificuldade é que nos mantém tão relaxadamente interessados. Ela é a maior riqueza deste filme inesperado.


ESCOLA DO RISO
Direção:
Mamoru Hosi
Produção: Japão, 2004
Com: Kôji Yakusho e Goro Inagaki
Quando: estréia hoje no Cinesesc
Avaliação: bom



Texto Anterior: Crítica/"Nome de Família": Cineasta usa tintas "locais" em longa aborrecido
Próximo Texto: Última Moda - Alcino Leite Neto: A moda nômade dos blogs
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.