São Paulo, domingo, 25 de maio de 2008

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Depoimento/Eu tentei ser figurante de "Sex and the City"

O dia em que fui à igreja em nome de Carrie

FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO

Diante da igreja luterana, ela sacou da bolsa um sapato de salto enquanto tentava tirar os tênis sem as mãos. Calçou-se. Contrariada, disse: "Não deu tempo de fazer escova".
Assenti. Para piorar o dia capilar de todas nós, chovia em Nova York. Uma combinação ingrata para entrar na igreja, onde, do palco, digo, do altar, escolheriam os figurantes para o filme "Sex and the City".
Era a hora dos figurantes não-sindicalizados, que dobravam o quarteirão na fila na rua 22, para depois dizer numa ficha o peso, alguma habilidade especial, sorrir para a câmera (no altar) e torcer pelo melhor.
O anúncio do jornal, que indicava a inexplicável igreja como lugar da seleção, dizia: "todos os tipos nova-iorquinos", executivos, "senhoras que almoçam" (expressão para as dondocas), modelos, artistas e vários etcéteras.
Bem-aventurados os que se encaixavam no chamado, o que não era meu caso. Mas o que é isso diante da experiência antropológica de observar a histeria para ser parte do filme sobre a série ícone do pós-feminismo, que só não fez mais pelas mulheres da minha geração do que a Madonna? (Uma desculpa dessas para um mico assim faz bem o tipo da Carrie, vai que rolava um suvenir fashion...).
"Sarah, toque em mim", rezava, na minha frente, um estudante de teatro baixo e quase gordinho. "Posso ser um gay do Chelsea, um cara da "Vogue'", dizia a uma amiga. Ela também de tênis, sapatinho salto anabela na bolsa, vi depois.
Foram os únicos companheiros de fila, além da triste moça sem escova, com quem interagi. Mas havia uma velhinha de vestido puído e colar de pérolas, uns sujeitos de terno que desconfiei estarem fantasiados de executivos, um motoqueiro com "I Love NY" na camisa e muitas aspirantes a modelo com, claro, os cabelos escovados. Todos com muito tempo livre para as horas de espera.
Era 11 de setembro de 2007, e, como disse, chovia. Numa catedral próxima, havia missa pelos mortos nos ataques de 2001. Mas entre ir ao ato, à força parte da mitologia de Manhattan, preferi "Rosa Púrpura do Cairo", pelo sexo e a cidade.
Como no poema, eu e parte de Nova York dizíamos: podem ficar com a realidade, onde tudo entra pelo cano. Quero viver de verdade, fico com o cinema americano. Fica para a próxima a minha estréia.


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