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Depoimento/Eu tentei ser figurante de "Sex and the City"
O dia em que fui à igreja em nome de Carrie
FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO
Diante da igreja luterana, ela
sacou da bolsa um sapato de
salto enquanto tentava tirar os
tênis sem as mãos. Calçou-se.
Contrariada, disse: "Não deu
tempo de fazer escova".
Assenti. Para piorar o dia capilar de todas nós, chovia em
Nova York. Uma combinação
ingrata para entrar na igreja,
onde, do palco, digo, do altar,
escolheriam os figurantes para
o filme "Sex and the City".
Era a hora dos figurantes
não-sindicalizados, que dobravam o quarteirão na fila na rua
22, para depois dizer numa ficha o peso, alguma habilidade
especial, sorrir para a câmera
(no altar) e torcer pelo melhor.
O anúncio do jornal, que indicava a inexplicável igreja como lugar da seleção, dizia: "todos os tipos nova-iorquinos",
executivos, "senhoras que almoçam" (expressão para as
dondocas), modelos, artistas e
vários etcéteras.
Bem-aventurados os que se
encaixavam no chamado, o que
não era meu caso. Mas o que é
isso diante da experiência antropológica de observar a histeria para ser parte do filme sobre
a série ícone do pós-feminismo,
que só não fez mais pelas mulheres da minha geração do que
a Madonna? (Uma desculpa
dessas para um mico assim faz
bem o tipo da Carrie, vai que rolava um suvenir fashion...).
"Sarah, toque em mim", rezava, na minha frente, um estudante de teatro baixo e quase
gordinho. "Posso ser um gay do
Chelsea, um cara da "Vogue'",
dizia a uma amiga. Ela também
de tênis, sapatinho salto anabela na bolsa, vi depois.
Foram os únicos companheiros de fila, além da triste moça
sem escova, com quem interagi.
Mas havia uma velhinha de vestido puído e colar de pérolas,
uns sujeitos de terno que desconfiei estarem fantasiados de
executivos, um motoqueiro
com "I Love NY" na camisa e
muitas aspirantes a modelo
com, claro, os cabelos escovados. Todos com muito tempo livre para as horas de espera.
Era 11 de setembro de 2007,
e, como disse, chovia. Numa catedral próxima, havia missa pelos mortos nos ataques de 2001.
Mas entre ir ao ato, à força parte da mitologia de Manhattan,
preferi "Rosa Púrpura do Cairo", pelo sexo e a cidade.
Como no poema, eu e parte
de Nova York dizíamos: podem
ficar com a realidade, onde tudo entra pelo cano. Quero viver
de verdade, fico com o cinema
americano. Fica para a próxima
a minha estréia.
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