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"Coleção Folha" traz Graciliano Ramos
"Infância", do escritor alagoano, é o 16º volume da série, que chegará às bancas no próximo domingo
DA REPORTAGEM LOCAL
"A primeira coisa que guardei na memória foi um vaso de
louça vidrada, cheio de pitombas, escondido atrás de uma
porta." Assim inicia o volume
de memória "Infância", de Graciliano Ramos (1892-1953), publicado em 1945, após o êxito de
"São Bernardo" (1934) e de "Vidas Secas" (1938). É o 16º volume da "Coleção Folha Grandes
Escritores Brasileiros", nas
bancas no próximo domingo.
O vaso de louça e as pitombas
funcionam como o chá de tília e
as madeleines de "Em Busca do
Tempo Perdido", do francês
Marcel Proust, que acionam no
narrador o mecanismo da recordação. Na passagem, ao
apresentar o vaso metido atrás
da porta, Ramos ainda insinua
que desvendará para o leitor o
que havia de oculto no passado.
Além disso, essas lembranças
podem não ser, necessariamente, confiáveis, pois o narrador em seguida afirma que,
quando pequeno, associava pitombas a qualquer fruta redonda. Logo, podiam ser laranjas.
"Não gostei da correção", diz
ele, "laranjas, provavelmente já
vistas, nada significavam".
Por meio desse mecanismo
difuso, Ramos descerra o mundo árido, anguloso, do sertão e
das pequenas cidades do interior de Alagoas, na virada do século 19 para o 20. Mais do que
isso, ele mostra as relações difíceis entre pessoas corroídas pela carestia e sem horizonte.
Por causa seja do autoritarismo do pai, seja da ignorância da
mãe, seja da desconfiança dos
professores, o narrador desenvolve um sentimento de rejeição àquele ambiente onde se
desenvolveu "como um pequeno animal". Ademais, a falta de
entendimento com o outro o
faz espiar com feroz preconceito os que lhe parecem estranhos ou inferiores.
A válvula de escape desse
menino, que "era quase analfabeto", reside nos livros. São excepcionais os capítulos em que
narra o início da compreensão
pela leitura ("uma luzinha quase imperceptível surgia longe,
apagava-se, ressurgia, vacilante, nas trevas de meu espírito")
e em que descobre a biblioteca
na casa de um tabelião.
Costuma-se associar "Infância" ao livro "Memórias do Cárcere" (1953), em que Ramos relata os eventos relacionados à
sua prisão por subversão em
1936 e1937, quando ficou encarcerado na Ilha Grande (RJ).
Esse episódio de sua vida foi
transformado em filme em
1984 pelo cineasta Nelson Pereira dos Santos, que, 21 anos
antes, havia dirigido a versão de
"Vidas Secas" no cinema.
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