DO ENVIADO AO RIO

Há pouco, a linha de frente da música popular nacional se cindiu em dois grupos centrais, dosadores de tino comercial e densidade artística. De um lado estavam Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown. Do outro, Cássia Eller e Nando Reis. Os três primeiros se fundiram em Tribalistas. Cássia morreu, Nando ficou entregue a si.
"A Letra A" é, de uma vez só, revide de Nando a todos esses dados. Sozinho, ele precisa ser três, ou quatro, ou mais. Sua voz frágil (mas hoje serena) tem de honrar o vácuo de Cássia, da voz feminina que o protegia e acobertava.
Os Tribalistas serviram-se da melodia para estabelecer um novo romantismo, anti-romântico só no discurso. Exército de um homem só, Nando apela a melodias gigantes para afetar um romantismo de fato, atormentado.
Espremem-se nele momentos de êxtase em "A Letra A", sempre acolchoados por sensacional camada de teclados e adoráveis vocais gospel do Communion (o grupo que acompanhou Roberto Carlos em seu "Acústico").
"Hoje Mesmo" sai na frente, em disparada -é de chorar de saudades de Cássia e da constatação triste e alegre de que o mundo continua bonito mesmo sem ela.
Seguem-na "Dentro do Mesmo Time" (parente de Raul Seixas), "De Lhe pra Te" (puro Stevie Wonder), "Vamos Passear de Mãos Dadas" (filhote ruivo de Rolling Stones e Rita Lee). Revelam-se, esplêndidas, "Mesmo Sozinho" (antes gravada nos Titãs) e "Luz dos Olhos" (já conhecida do "Acústico MTV" de Cássia).
Nessa, Nando completa intenção que não fora concluída em "Luz dos Olhos". O arranjo instala uma catarse no último bloco, enquanto o narrador simula em vão a chegada da amada. Romantismo à moda antiga, antitribalista, voa às alturas, terno e destrutivo. A receita é a mais Nando Reis possível: melancolia, melancolia, melancolia. É tanta melancolia que é até perigoso.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)

A Letra A    
Artista: Nando Reis
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 28, em média