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EUROPA GALANTE
Italianos tocam barroco italiano italianissimamente
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Sabendo que se vai escutar o
"Stabat Mater", a gente passa
o dia inteiro diferente. Em suspensão, para usar uma metáfora
que também é um elemento de
harmonia, muito comum na
obra-prima de Pergolesi (1710-36). Sabendo que são os italianos
do Europa Galante, melhor ainda;
o concerto deles, há três anos,
nunca mais saiu da memória.
Como a vida estraga as coisas! A
primeira parte do concerto, anteontem, no Cultura Artística
-quatro "concertos grossos" de
Alessandro Scarlatti (1660-1725) e
um de Francesco Geminiano
(1680-1762)- foi estupenda. Estraga as coisas, não: corrige expectativas. Ali, onde não se esperava tanto, a música reinventou
um mundo. Mas não há "Stabat
Mater" que resista à comparação
com aquele outro, imaginário,
maior do que qualquer conjunto
seria capaz de tocar. Nem mesmo
o Europa Galante, o que deixa um
leve gosto de frustração.
Mas é uma frustração quase alegre, porque os italianos nunca são
menos do que italianíssimos e eles
hoje reinam na música barroca.
Levaram um pouco para aquecer;
mas à hora que o violinista Fábio
Biondi e seus companheiros chegaram ao "Concerto em Ré Menor" de Scarlatti, a música já corria solta, com toda sua eloquência
rústica. Rústica, natural, toscana:
os clichês deixam de ser clichês na
festa de acentos, arcadas, trinados
e glissandos.
Geminiani: espetacular sequência de variações sobre "La Follia".
Combinações raras, virtuosismo
geral, o moço careca largando a
mão como se fosse o Eric Clapton
do alaúde.
"Stabat Mater." Mais rápido e
"galante" do que de hábito. A soprano Gemma Betagnoli veio de
madona matadora para cantar as
aflições da mãe de Cristo na cruz.
Já a contralto Marina de Liso foi
mais comedida, musicalmente inclusive. Cantaram bem? Cantaram. Maravilhosamente? Um
pouco menos que isso.
De novidade, ou quase: a ênfase
operística nos movimentos rápidos. Lindo, "Quando corpus", soturno e seco, cheio de silêncios,
até explodir no "Amen".
Enquanto meu corpo, também,
definha, possa minha alma louvar
as bondades da música, no Paraíso ou na praça Roosevelt, que, depois de Europa Galante, Giardino
Armonico e Hespérion XX, vai se
tornando um dos lugares sagrados da música antiga.
Europa Galante
Onde: Cultura Artística (r. Nestor
Pestana, 196, São Paulo, tel. 0/xx/11/
3258-3616)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: de R$ 100 a R$ 190
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