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São Paulo, quarta-feira, 25 de junho de 2003

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EUROPA GALANTE

Italianos tocam barroco italiano italianissimamente

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Sabendo que se vai escutar o "Stabat Mater", a gente passa o dia inteiro diferente. Em suspensão, para usar uma metáfora que também é um elemento de harmonia, muito comum na obra-prima de Pergolesi (1710-36). Sabendo que são os italianos do Europa Galante, melhor ainda; o concerto deles, há três anos, nunca mais saiu da memória.
Como a vida estraga as coisas! A primeira parte do concerto, anteontem, no Cultura Artística -quatro "concertos grossos" de Alessandro Scarlatti (1660-1725) e um de Francesco Geminiano (1680-1762)- foi estupenda. Estraga as coisas, não: corrige expectativas. Ali, onde não se esperava tanto, a música reinventou um mundo. Mas não há "Stabat Mater" que resista à comparação com aquele outro, imaginário, maior do que qualquer conjunto seria capaz de tocar. Nem mesmo o Europa Galante, o que deixa um leve gosto de frustração.
Mas é uma frustração quase alegre, porque os italianos nunca são menos do que italianíssimos e eles hoje reinam na música barroca. Levaram um pouco para aquecer; mas à hora que o violinista Fábio Biondi e seus companheiros chegaram ao "Concerto em Ré Menor" de Scarlatti, a música já corria solta, com toda sua eloquência rústica. Rústica, natural, toscana: os clichês deixam de ser clichês na festa de acentos, arcadas, trinados e glissandos.
Geminiani: espetacular sequência de variações sobre "La Follia". Combinações raras, virtuosismo geral, o moço careca largando a mão como se fosse o Eric Clapton do alaúde.
"Stabat Mater." Mais rápido e "galante" do que de hábito. A soprano Gemma Betagnoli veio de madona matadora para cantar as aflições da mãe de Cristo na cruz. Já a contralto Marina de Liso foi mais comedida, musicalmente inclusive. Cantaram bem? Cantaram. Maravilhosamente? Um pouco menos que isso.
De novidade, ou quase: a ênfase operística nos movimentos rápidos. Lindo, "Quando corpus", soturno e seco, cheio de silêncios, até explodir no "Amen".
Enquanto meu corpo, também, definha, possa minha alma louvar as bondades da música, no Paraíso ou na praça Roosevelt, que, depois de Europa Galante, Giardino Armonico e Hespérion XX, vai se tornando um dos lugares sagrados da música antiga.


Europa Galante   
Onde: Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, São Paulo, tel. 0/xx/11/ 3258-3616)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: de R$ 100 a R$ 190



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