INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Deve a arte respeitar ou não as fronteiras nacionais? Julio Bressane dá sua resposta em "São Jerônimo" (Canal Brasil, 15h): filma a vida do santo tradutor numa Bahia desértica ou no parque Lage. A arte está onde queremos que esteja.
Por exemplo: no rosto sofrido de Robert Ryan em "Punhos de Campeão", de Robert Wise, que o Futura exibe com o título de "A Grande Virada" (23h).
Ele faz o velho boxeador que deve perder uma luta, devido a um arranjo, mas decide virar o jogo. Sua honra de repente se torna mais relevante do que os gângsteres que controlam a jogatina.
É claro, ele pagará por isso. Veremos o resultado no rosto e nos punhos de Ryan. Mas Robert Wise produziu um belíssimo manifesto em defesa da integridade de um homem.

DOCUMENTÁRIO

Paulo Coelho recebe mirada estrangeira

MARINA DELLA VALLE
DO "AGORA"

Esmiuçar a biografia de um escritor, como faz "Celebrando Nossa Gente: Paulo Coelho" (canal A&E Mundo), quase sempre é tarefa perigosa. Leitores ávidos podem se incomodar com o embate entre autor e obra; já quem não consome a obra do escritor em questão deve ter dificuldades em manter o interesse, salvo se sua biografia tiver apelo.
Apelo, com certeza, Paulo Coelho tem. Com livros editados em 56 línguas, em mais de 150 países, Coelho continua sendo um fenômeno. Com formato um tanto burocrático, o documentário, produção argentina do canal, nos traz a figura conhecida do escritor com um elemento de estranhamento: a língua. Coelho é um dos dois entrevistados que fala -e de maneira muito natural- a língua espanhola (o outro é o escritor espanhol Juan Arias).
E é nesse idioma que Coelho fala sobre coisas curiosas: afirma que foi o segundo psiquiatra que consultou na vida, após ter sido tratado com eletrochoques, quem salvou sua vida -não imputa a responsabilidade a nenhum ser mágico ou sobrenatural. Paradoxalmente, logo revela que espera por sinais para escrever cada livro: não começa caso não encontre no mês de janeiro de um ano par uma pena branca.
Já os outros entrevistados contam, em português, detalhes da vida do escritor, que não deixa de ter um quê de fantasia: de jovem internado em instituições mentais, transforma-se em ator e parceiro de Raul Seixas, é preso durante a ditadura, duela com drogas e com magia negra e volta a ter uma vida "normal", até largar o emprego em uma gravadora para dar a volta ao mundo.
Inspirado pela viagem, escreve "O Diário de um Mago" (1987), que não alcança sucesso na primeira edição, mas ganha outra chance. O restante de sua história é entremeado de prêmios e sucesso e marcado pela rejeição da crítica à sua obra -o programa traz depoimentos do colunista da Folha Manuel da Costa Pinto, por exemplo.
O pai do autor confirma, no documentário, o desgosto com o filho adolescente que queria ser escritor -era preciso "ter uma profissão, ninguém vive de escrever livros". Coelho, entre cenas em seu apartamento em Copacabana, onde passa metade do ano, e na bela casa em uma aldeia no sul da França, onde gosta de escrever, ri da vitória contra as predições de seu pai e mostra que conquistou tudo -menos a crítica.